PM intensifica ações de saúde mental após ataque com mortes em batalhão no Recife
Batalhões agora contam com o "policial focal", profissional voltado para observar alterações no comportamento de membros da tropa
Um ano após o ataque com mortes na sede do 19º Batalhão, localizado no Pina, Zona Sul do Recife, houve avanço nas ações de saúde mental para o efetivo da Polícia Militar de Pernambuco. O principal foi a criação do chamado policial focal, profissional com a responsabilidade de observar possíveis alterações no comportamento dos colegas de farda e orientá-los quanto à necessidade de procurar ajuda de especialistas o mais rápido possível.
"Trata-se de um policial que fica mais próximo, que observa quem está deprimido, abatido. Ele também indica ao Núcleo de Saúde Mental da PM quem precisa de atendimento. Todo batalhão está com um policial focal, que foi escolhido de forma voluntária e passou por preparo", explicou o chefe do núcleo, o capitão Gilvan Marcos da Silva.
A criação do policial focal foi inspirada numa experiência do Rio Grande do Sul. Lá, o Programa Anjos foi desenvolvido para dar apoio emocional ao efetivo, difundindo conhecimento sobre saúde mental e apresentando a rede especializada. O serviço é 24h.
"Outros estados também estão adotando esse método para que possamos chegar mais perto dos policiais. Fizemos uma seleção de pessoal, e os PMs passaram por um preparo de como agir para ajudar o restante da tropa. O resultado tem sido positivo", afirmou o capitão.
ATENDIMENTOS
Outra ação, anunciada em junho deste ano pela Polícia Militar, foi o serviço on-line de atendimento psicoterápico para todo o efetivo na ativa.
"Houve uma quebra de barreiras. Antes, por exemplo, havia uma resistência de policiais de cidades do interior em procurar ajuda. Mas hoje a maioria dos atendimentos no formato remoto é de PMs que não estão na Região Metropolitana", disse o chefe do Núcleo de Saúde Mental.
Com a chegada do formato remoto, o número de atendimentos diários foi ampliado de 300 para 375. A marcação de consultas é feita pelo site da corporação: pm.pe.gov.br. Os atendimentos são de segunda à sexta-feira, das 8h às 15h. O telefone para contato é (81) 99488-5888.
Ao todo, 13 psicólogos realizam as consultas presenciais e virtuais. O comandante geral da PM, coronel Tibério César dos Santos, tinha um projeto de ampliar o número para que cada batalhão contasse com um profissional. Mas não foi possível por causa da falta de recursos.
ESTADO TEM MÉDIA DE 5 AFASTAMENTOS DIÁRIOS
A PM de Pernambuco conta, atualmente, com pouco mais de 16 mil militares na ativa. Os profissionais estão divididos em 26 batalhões, além de 14 unidades especializadas.
Estatísticas obtidas pela coluna Segurança, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), revelaram que a Polícia Militar de Pernambuco somou 1.920 afastamentos por adoecimento mental ao longo de 2022. A média diária foi de cinco dispensas ou licenças médicas.
O levantamento também indicou que 4.454 profissionais buscaram atendimento psiquiátrico no ano passado, ou seja, mais de 25% da tropa.
Os números são similares aos observados no primeiro semestre de 2023. Ao todo, 2.013 PMs passaram por atendimento psiquiátrico. E 1.051 apresentaram atestados para dispensa ou licença médica.
O número, apesar de alto, é subnotificado. Isso porque, segundo os próprios policiais, muitos ainda resistem em procurar ajuda.
EXCESSO DE TRABALHO E PRESSÃO POR RESULTADOS
Em geral, os policiais militares reclamam do excesso de trabalho, com plantões extras em dias de folga, e a forte pressão dos comandantes para que os índices de criminalidade sejam reduzidos. Sem contar o constante risco da violência ao qual o efetivo está submetido nas ruas.
O capitão Gilvan Marcos da Silva disse que o comandante geral da PM realizou reuniões com os chefes de batalhões para tratar da saúde mental da tropa. "A gente percebeu que essas orientações precisam começar de cima. Foram realizados encontros para trabalhar essas temáticas de saúde, indicando como os comandantes devem agir. Também intensificamos as visitas nos batalhões."
O chefe do Núcleo de Saúde Mental reforçou que a avaliação psicológica no concurso dos novos PMs, no ano que vem, será mais rígida para evitar o ingresso de pessoas com algum tipo de transtorno.
TRAGÉDIA COMPLETA 1 ANO
Nesta quarta-feira (20), completa-se um ano do feminicídio seguido de ataque a tiros no 19º Batalhão da PM. A tragédia chocou o Estado e serviu de alerta para a necessidade de ações de combate ao adoecimento mental da tropa.
Segundo as investigações, o soldado Guilherme Santana Ramos de Barros, de 27 anos, matou a tiros a companheira, Cláudia Gleice da Silva, 33, na manhã do dia 20 de dezembro de 2022, porque não aceitava o fim do relacionamento. Ela estava grávida de três meses.
Em seguida, o soldado rendeu um motorista de aplicativo e o obrigou a seguir até o bairro do Pina, onde fica o 19º Batalhão. Lá, atirou nos colegas e depois cometeu suicídio, segundo a investigação. Além dele, dois policiais morreram e dois ficaram feridos.
Imagens de câmeras de segurança mostraram o momento em que Guilherme apareceu de mochila entrando no batalhão. Ele passou por colegas e seguiu por um corredor até chegar na sala de monitoramento, onde efetuou tiros contra outros policiais, que tentaram se proteger.
Guilherme saiu pela mesma porta e, um pouco a frente, outro militar apareceu armado. A imagem indicou uma possível troca de tiros. Ele voltou à sala de monitoramento e correu. Logo depois, atirou contra a própria cabeça e morreu no local.
Foram baleados o 2º tenente Wagner Souza do Nascimento, de 30 anos, que morreu na hora, e a major Aline Maria Lopes dos Prazeres Luna, 42, que era subcomandante do 19º Batalhão. A PM chegou a ser socorrida e levada para o Hospital Português, mas faleceu no mesmo dia após cirurgia.
O sargento Maurino Uchoa, baleado de raspão na cabeça, e cabo Paulo Rebelo, ferido no ombro, sobreviveram.
POLICIAIS FORAM INDICIADOS
Cinco meses após a tragédia, o inquérito policial militar que apurou o caso foi concluído e resultou no indiciamento de quatro PMs, sendo três soldados e um cabo.
Dos quatro militares, dois estavam na recepção do 19º Batalhão. Os investigadores apontaram que eles tinham a obrigação de alertar o comando sobre o comportamento do soldado Guilherme, que surgiu alterado e com uma arma de fogo em punho, mas isso não ocorreu.
Eles respondem por prevaricação, crime praticado quando o funcionário público deixa de praticar ou pratica indevidamente ato de ofício. A pena pode chegar a dois anos de detenção, em caso de condenação.
O terceiro indiciado foi um cabo, que havia viajado para o Rio Grande do Norte para resolver um problema no Detran.
O cabo recebeu mensagens no momento em que Guilherme seguia para o 19º Batalhão, logo após a morte da companheira. O motorista revelou, em depoimento, que o soldado teria dito que iria "matar os inimigos".
O inquérito policial militar apontou que o cabo tomou ciência da tragédia que iria acontecer por mensagens, mas não informou ao comando e ainda apagou a prova. Além de prevaricação, foi indicado por fraude processual. A pena para este último crime é de até dois anos de detenção, além de multa.
O quarto PM indiciado estava de folga no dia da tragédia. Ele também recebeu mensagens de Guilherme antes do ataque, mas não avisou ao quartel. Ele responde por prevaricação e por omissão penalmente relevante. A pena para este último crime é de até seis meses de detenção ou multa.
O QUE MOTIVOU O ATAQUE?
O inquérito não conseguiu definir, com exatidão, o que motivou o ataque de Guilherme contra os colegas de farda.
"O que se observou é que, ao chegar no quartel, Guilherme rapidamente entra na sala de monitoramento e atira aleatoriamente contra os militares. Ele não apontou a arma para as servidoras civis que estavam na sala. Nos leva a crer que ele não gostava de ser monitorado, porque ele já tinha sido chamado a atenção por um sargento quando houve um desvio de rota", afirmou, na época, o tenente-coronel Luiz Cláudio de Brito, porta-voz da PM.