86% das vítimas de feminicídio nunca prestaram queixa, alerta chefe da Polícia Civil de PE
Casos de feminicídio cresceram 8% no ano de 2023 em Pernambuco. Polícia reforça que mulheres precisam denunciar agressores no primeiro sinal de violência
O alerta precisa ser massificado. No primeiro sinal de violência - seja física ou não -, a mulher deve procurar a polícia para prestar queixa contra o agressor. Levantamento inédito da Polícia Civil de Pernambuco revela que 86% das vítimas de feminicídio no ano de 2023 nunca procuraram uma delegacia para registrar boletim de ocorrência.
"Isso nos revela que a mulher precisa se encorajar e registrar desde a ameaça, primeiro ato de agressão, para que a gente possa ampará-la, para que a gente possa colocá-la inserida na rede de apoio e para que ela se torne visível para a Polícia Civil", afirmou a delegada Simone Aguiar, chefe da Polícia Civil de Pernambuco.
Dados preliminares da Secretaria de Defesa Social (SDS) apontaram que 78 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023. Houve aumento de 8% em relação ao ano de 2022, quando 72 casos foram registrados.
"Em relação às mulheres que foram vítimas de tentativa de feminicídio, só 22% haviam procurado a polícia anteriormente para denunciar seus agressores. Está muito claro que as mulheres que nos procuram, a gente consegue evitar que elas percam a vida. E a queixa precisa ser registrada em qualquer tipo de agressão, seja ela moral, seja ela emocional, seja ela patrimonial", reforçou Simone Aguiar.
A delegada afirmou que, com exceção dos registros de dezembro, todos os inquéritos de feminicídio em 2023 foram concluídos e com autores identificados.
PERSONAL TRAINER FOI UMA DAS VÍTIMAS
A personal trainer Myrella da Conceição Barbosa, de 25 anos, que vivia no município de Chã de Alegria, na Mata Norte de Pernambuco, foi uma das vítimas de feminicídio em 2023. O caso teve grande repercussão porque a morte estava sendo tratada como um acidente após uma queda de moto - o que gerou revolta entre parentes e amigos. Depoimentos e marcas no corpo da vítima foram fundamentais na investigação.
Na noite de 3 de junho, Myrella estava em um bar com amigas quando o ex-namorado chegou e a obrigou a ir embora com ele. Logo depois, teria sofrido as agressões. Testemunhas contaram que o rapaz não aceitava o fim do relacionamento e fazia ameaças - mesmo assim queixas não chegaram a ser registradas.
No dia seguinte, Myrella foi levada pela ex-sogra para a Unidade Mista de Chã de Alegria. Ferida, ela foi questionada pelos médicos e disse que as lesões foram provocadas pela queda da moto. Os profissionais de saúde não ficaram convencidos da versão, visto que a personal tinha hematomas pelo pescoço, se queixava de dores e apresentava sinais de hemorragia interna - mais característicos de agressões físicas.
Em estado grave, ela acabou sendo transferida para o Hospital da Restauração, onde faleceu. Ao chegar na unidade, profissionais de saúde estranharam o comportamento do suspeito, que a todo o tempo insistia com a vítima de que ela caiu de uma moto.
O auxiliar de serviços gerais José Rufino de Barros Neto, 23 anos, acabou preso dias depois. Atualmente, ele está na condição de réu aguardando julgamento. A defesa já tentou inúmeras vezes que ele responda ao processo em liberdade, mas os argumentos foram negados pela Justiça.
MEDIDAS PROTETIVAS
Na Lei Maria da Penha, que completou 17 anos, estão previstos cinco tipos de violência doméstica contra a mulher: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. E a denúncia pode ser feita em qualquer delegacia, não necessariamente apenas nas especializadas.
Entre janeiro e dezembro de 2023, a polícia somou 51.780 queixas de violência doméstica/familiar em Pernambuco. A média diária foi de 141 denúncias.
No mesmo período de 2022, a polícia somou 43.874 boletins de ocorrência. Apesar do aumento de quase 8 mil registros, no ano passado, o número é visto de forma positiva porque indica que mais vítimas estão procurando ajuda para quebrar o ciclo da violência.
Além disso, em média, 61 medidas protetivas foram solicitadas à Justiça de Pernambuco diariamente no ano passado.
"Observamos um aumento de 59% nos pedidos de medidas protetivas. Enquanto a Polícia Civil fez 8.572 solicitações em 2022, no ano passado fizemos 13.676. As estatísticas mostram que ações preventivas surtem efeitos e salvam vidas. As mulheres precisam procurar a polícia para se proteger", disse Simone Aguiar.
"Em muitos casos, as mulheres estão sendo vítimas de violência há muito tempo. Às vezes, desde o namoro. E elas pensam que a violência é apenas física, mas não é. Além disso, é importante dizer que há vítimas de violência doméstica em qualquer classe social, não apenas pobres", completou.
COMO PEDIR AJUDA
Para denúncias e informações, a Ouvidoria Estadual da Mulher atende gratuitamente pelo telefone 0800-281-8187. Em caso de emergência policial, a orientação é ligar para o 190.
Qualquer pessoa, como um vizinho, por exemplo, pode entrar em contato com a polícia caso perceba algum ato de violência.
Veja lista das delegacias da Mulher abertas 24h:
Recife (1° DEAM)
Praça do Campo Santo, s/n, Santo Amaro
Tel. (81) 3184.3352
Jaboatão dos Guararapes (2° DEAM)
Estrada da Batalha, s/n, Prazeres
Tel. (81) 3184-3445
Cabo de Santo Agostinho (14º DEAM)
Rodovia BR 101, s/n, Pontezinha
Tel. (81) 3184-3414
Petrolina (3° DEAM)
Rua Castro Alves, 57, Centro
Tel. (87) 3866-6625
Caruaru (4° DEAM)
Av. Portugal, n° 155, Universitário
(81) 3719-9106
Paulista (5° DEAM)
Rua do Cajueiro, s/n, Praça Frederico Lundgren, Centro
(81) 3184-7072
Olinda
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