PMs de folga, carros descaracterizados e armas não-oficiais: novos detalhes da Chacina de Camaragibe
Investigação do MPPE aponta que tenentes-coronéis comandaram os assassinatos por vingança após mortes de dos militares em setembro de 2023
Novos detalhes da investigação realizada por uma equipe de promotores do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) reforçam a tese de que dois tenentes-coronéis lideraram a "operação" que resultou em uma sequência de assassinatos após as mortes de dois policiais militares em Camaragibe, no Grande Recife, em setembro de 2023.
O caso, que ficou conhecido nacionalmente como a Chacina de Camaragibe, ganhou um novo capítulo nessa quinta-feira (7), após a Justiça aceitar a denúncia do MPPE contra 12 PMs, incluindo três oficiais. Agora, o grupo se tornou réu pelo crime de triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa das vítimas).
A 1ª Vara Criminal da Comarca de Camaragibe expediu intimações para todos eles, para que ofereçam defesa por escrito. Após o prazo, será feito o agendamento da primeira audiência de instrução do processo.
A coluna Segurança, deste JC, teve acesso à íntegra da denúncia encaminhada pelo MPPE à Justiça. No documento, os promotores destacam que a ação policial teve início após as mortes do soldado Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e do cabo Rodolfo José da Silva, 38, que foram até o bairro de Tabatinga verificar a denúncia de que um homem estaria em cima de uma laje realizando disparos de arma de fogo, na noite de 14 de setembro.
Quando os policiais chegaram ao local, houve troca de tiros com o vigilante Alex da Silva Barbosa, que teria feito Ana Letícia Carias da Silva, de 19 anos, de escudo humano. Os dois PMs morreram, e Alex conseguiu fugir. Além de Ana (que morreu semanas depois no IMIP), o primo dela, de 14 anos, foi baleado, mas sobreviveu.
ORDENS DE EXECUÇÃO
Após tomarem conhecimento das mortes dos PMs, o então comandante do 20º Batalhão da PM, tenente-coronel Fábio Roberto Rufino da Silva, e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco, que ocupava o segundo posto de comando da inteligência da PM, teriam acionado vários PMs para dar início à perseguição do suspeito, Alex, e de familiares dele.
"Os denunciados tenente-coronel Marcos Túlio e tenente-coronel Rufino convocaram os denunciados e outros policiais, de serviço e de folga, para reunião realizada nas proximidades da FOP (Faculdade de Odontologia de Pernambuco), tendo estes sido propositalmente orientados e autorizados a comparecerem ao local em veículos sem placas, viaturas descaracterizadas, com vestimentas à paisana, utilizando balaclavas, fortemente armados, com armas 'cabrito' (não-oficiais), para realizarem a missão de caçada a Alex e seus familiares, no intuito de matá-los, em vingança à morte dos dois policiais, ocorrida horas antes", descreve o MPPE.
O relatório da investigação aponta que os tenentes-coronéis "participaram intensamente das trocas de mensagens entre os policiais, em que eram passadas informações a respeito dos familiares de Alex, bem como dele próprio". Diz ainda que "em nenhum momento, antes ou depois dos bárbaros homicídios praticados, os denunciados Marcos Túlio e Fábio Rufino expressaram desacordo ou contrariedade com as ilegalidades praticadas durante a preparação das execuções".
"Em verdade, tinham plena consciência do que estava acontecendo. E mais, após os crimes, o que se viu foram ações tendentes ao acobertamento dos delitos ou proteção aos executores", pontua o MPPE, que destacou que a quebra de sigilo telefônico e telemático foram fundamentais no esclarecimento dos fatos.
SEQUÊNCIA DE ASSASSINATOS
Logo após a reunião entre os policiais militares, foram executados a tiros três irmãos de Alex, identificados como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25. Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife.
A denúncia do MPPE é referente justamente a esses três assassinatos iniciais.
Além dos dois tenentes-coronéis citados na reportagem, também viraram réus por suposta participação nesses crimes:
João Thiago Aureliano Pedrosa Soares, 1º tenente;
Paulo Henrique Ferreira Dias, soldado;
Leilane Barbosa Albuquerque, soldado;
Emanuel de Souza Rocha Júnior, soldado;
Dorival Alves Cabral Filho, cabo;
Fábio Júnior de Oliveira Borba, cabo;
Diego Galdino Gomes, soldado;
Janecleia Izabel Barbosa da Silva, cabo;
Eduardo de Araújo Silva, 2º sargento;
Cesar Augusto da Silva Roseno, 3º sargento.
Cinco desses policiais estão presos preventivamente: Paulo Henrique, Dorival Alves, Leilane Barbosa, Emanuel e Fábio Júnior. Os outros foram afastados dos cargos que ocupavam na época do crime, mas seguem trabalhando na PM.
Fábio Roberto Rufino da Silva, inclusive, passou a comandar outro batalhão da PM, no Recife, mesmo após ser afastado do 20º BPM pela Justiça.
A Secretaria de Defesa Social (SDS) informou que, assim que for notificada da denúncia, os réus serão afastados das atividades.
As defesas dos réus ainda não se pronunciaram sobre a denúncia do MPPE.
OUTRAS INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO
O MPPE e a Polícia Civil seguem investigando o caso, porque outras pessoas foram assassinadas, inclusive Alex.
Por volta das 9h de 15 de setembro, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27, foram achados num canavial na cidade de Paudalho, Mata Norte do Estado.
Duas horas depois, Alex foi morto em Tabatinga. A PM alegou que houve uma abordagem e que ele teria reagido, resultando na troca de tiros.
A Polícia Civil e o MPPE também precisam esclarecer como foi a dinâmica das mortes dos PMs. Havia uma suspeita de que Alex poderia ter contado com ajuda de outra pessoa.
Não há prazo para conclusão das investigações e para o envio de novas denúncias à Justiça.