Opinião

Por que máquinas de sorvete do McDonald’s viraram alvo de investigação?

Equipamento quebra tanto que órgão federal antitruste americano irá investigar. Problema demonstra como os monopólios emperram a inovação e são péssimos para os consumidores

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Guilherme Ravache

Publicado em 03/09/2021 às 12:00
Análise
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Se você gosta de sorvete do McDonald’s, provavelmente já se deparou com uma das máquinas de sorvete da empresa quebradas. Há muitos anos, quando fui funcionário em uma loja, chamávamos a máquina de vaga-lume, tamanha a inconstância de seu funcionamento.

Há diversas versões da máquina. Mas basicamente dois modelos, um que faz somente casquinhas nos sabores chocolate, creme e mista. E outra com casquinhas, mas apenas de creme, além de milk shakes.

As casquinhas do McDonald's também são famosas por já saírem derretendo de dentro da máquina. Isso mesmo quando a máquina está funcionando bem. Quando a máquina fica parada por algum tempo, o sorvete derrete dentro do tubo onde a massa é misturada às raspas de gelo do tubo, então já sai derretida.

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O milkshake é outro problema. O dia na loja começava com algum voluntário testando o milkshake para garantir que era minimamente bebível, isso quando saia da máquina, o que geralmente não acontecia.

Mas se passaram mais de 20 anos desde que trabalhei no McDonalds. De lá para cá construímos smartphones superpoderosos capazes de apontar nossa localização em qualquer lugar do planeta pelo GPS e até carros autônomos que não precisam de motorista. A essa altura, as máquinas de sorvete do McDonalds já deveriam funcionar, certo?

Mas não foi o que aconteceu. As máquinas quebradas ainda são tão frequentes que um programador até criou o site mcbroke.com (mcquebrado.com, em tradução livre) que mostra em tempo real onde estão as máquinas sem funcionar do McDonalds.

Para piorar, a operação e manutenção das máquinas é complicada. As máquinas requerem um ciclo noturno de limpeza para destruir as bactérias que pode durar diversas horas. É comum o ciclo de limpeza falhar, tornando as máquinas inutilizáveis até que um técnico de reparo possa colocá-las em funcionamento novamente.

O problema ganhou tamanha proporção que a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos, a FTC entrou em contato com os franqueados do McDonald's em busca de informações sobre o que está acontecendo, noticiou o Wall Street Journal.

Para muitos, o problema com essas máquinas é que são de má qualidade e excessivamente complicadas. Elas também são caras, chegando a custar quase US$ 20 mil cada. A empresa que vende e faz a manutenção dessas máquinas é a Taylor Company, parte de um conglomerado maior, o Middleby. O Middleby realizou dezenas de aquisições no setor de alimentos nos últimos anos e é um fornecedor do McDonald's, bem como de quase todos os grandes restaurantes da rede, para todos os tipos de equipamentos.

Dois anos atrás, uma empresa chamada Kytch Inc., fundada por dois contadores começou a oferecer um dispositivo para montar nas máquinas de sorvete da Taylor para alertar os proprietários sobre uma potencial avaria. O dispositivo envia alertas de texto e e-mail em tempo real que podem evitar a quebra das máquinas. Uma vantagem da novidade é que os avisos são fáceis de entender, em inglês claro. As mensagens das máquinas da Taylor são em códigos como "ERROR: XSndhUIF LHPR> 45F 1HR LPROD too VISC."

Menos máquinas paradas e todos mais felizes, certo? Não foi o que aconteceu. O McDonald's disse aos franqueados no ano passado que os dispositivos não são aprovados e que representam um risco à segurança. O McDonald’s disse ainda que está desenvolvendo seu próprio dispositivo inteligente para as máquinas de sorvete.

Segundo Matt Stoller, diretor de pesquisa do American Economic Liberties Project e especialista em monopólios, “isso acontece porque as franquias têm que assinar contratos de reparo lucrativos com a Taylor para consertar suas máquinas, e o Kytch era uma ameaça para esse fluxo de receita. É possível que o McDonald’s receba uma parte desse dinheiro para reparos, o que significa que o franqueador tem interesse em garantir que as franquias usem máquinas que quebram muito e são caras para consertar”.

A expectativa é que com a entrada do FTC no caso o movimento que defende a liberdade dos proprietários poderem consertar seus equipamentos com outros fornecedores ganhe força e a Taylor tenha seu monopólio de manutenção de máquinas de sorvete reduzido. Outra alternativa seria permitir aos franqueados do McDonald's comprar máquinas de outros fornecedores, o que a rede dificulta por meio de rígidos contratos de franquia que determinam os equipamentos a serem usados pelos franqueados.

Vale lembrar que no Brasil o McDonad’s é da Arcos Dourados, uma empresa argentina. De todo modo, a Taylor também está maciçamente presente nas lojas brasileiras da rede.

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