Você caminha quilômetros e tudo o que avista são milhares de coqueiros sombreando a areia fina, de frente para um mar translúcido protegido por arrecifes. Na maré baixa, o nível da água fica tão raso que dá até pra ir andando às piscinas naturais, onde a privacidade é total. Só mesmo os peixinhos a testemunhar a sua euforia em meio à natureza após meses de quarentena. Uma das preciosidades da Costa dos Corais, a Praia do Patacho, em Porto de Pedras, desponta como um refúgio sossegado no litoral norte de Alagoas. A 196 km do Recife, é ideal para quem busca mudança de ares ainda neste momento de pandemia, mas com a segurança do distanciamento social.
A ausência de equipamentos de grande porte desencoraja o turismo de massa por ali e permite que a praia permaneça deserta, mesmo após ser eleita pelo Guia Quatro Rodas uma das mais bonitas do Brasil. O trajeto até o Patacho já convida a desacelerar. A partir de Japaratinga, é preciso pegar uma balsa que parece transportar para outro tempo. São apenas 15 minutos, mas a travessia vale como um passeio. Enquanto a embarcação desliza lentamente pelo Rio Manguaba, os olhos se voltam para o exuberante manguezal. Logo, quem rouba a atenção é o farol listrado, símbolo da cidade de casinhas coloridas, atmosfera pacata e crianças a correr pelas ruas.
O relativo isolamento geográfico tanto contribui para a preservação ambiental quanto ajudou a proteger Porto de Pedras de uma maior contaminação pelo novo coronavírus. No momento de retomada das viagens próximas, essa é uma informação importante a ter em mente na hora de escolher um local para visitar, até que a vacina esteja disponível.
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Com cerca de 10 mil habitantes, o município confirmou 135 casos (1,35%) e duas mortes por covid-19. Nas duas últimas semanas, houve registro de uma nova infecção. Por isso, quem chega também precisa tomar os devidos cuidados para não expor os moradores e manter a situação sob controle. A começar pela aferição da temperatura ao sair da balsa, na tenda instalada pela prefeitura ainda no cais.
Uma vez liberada a passagem, entregue-se a dias de pé na areia e tranquilidade garantidos.
Charme rústico nas pousadas
Em meio ao cenário rústico das antigas fazendas de coco, a Praia do Patacho abriga algumas das opções de hospedagem mais charmosas de todo o trecho do litoral alagoano conhecido como Rota Ecológica dos Milagres. Entre elas, destaca-se a Pousada Samba Pa Ti, que conquista pelo serviço personalizado e simpatia da equipe.
Desde o check-in atencioso, todos os detalhes, inclusive de prevenção à covid-19, são pensados para transmitir sensação de segurança e fazer o hóspede se desconectar da vida lá fora. De boas-vindas, uma água de coco fresca para lembrar que o dolce far niente está só começando.
Construída há apenas quatro anos, a Samba Pa Ti prima pelo capricho, revelado desde o projeto arquitetônico aconchegante, que mescla madeira, vidro e alvenaria na medida certa. Já a ambientação privilegia o rico artesanato local, além das belas imagens do fotógrafo de surf Clemente Coutinho, um dos sócios da pousada.
Pelo gramado verdinho e bem cuidado, estendem-se 12 bangalôs, de onde é difícil querer sair depois de se acomodar. Em seis unidades, a varanda ainda se abre para piscinas privativas, duas delas de frente para o mar. Dá para pedir mais? Sim e com certeza. Que tal duchas ao ar livre mirando as estrelas? Tem. Toalhas e amenities premium repousando sobre dois lavabos separados (um pra você e outro para o seu par)? Tem também. Isso nos bangalôs master.
Todos os outros e mais as duas suítes da casa principal contam, no entanto, com as comodidades para uma estada igualmente confortável: camas grandes, TV smart com canais a cabo, frigobar etc. Parte dos protocolos para a convivência com o novo coronavírus, todas as habitações também ganharam um frasco de álcool em gel e a limpeza ocorre apenas sob demanda, sem a presença do hóspede.
Se não tem uma piscina só sua, a da pousada é mais que suficiente para matar a vontade de dar umas braçadas ou simplesmente lagartear, ler e bebericar esparramado nas espreguiçadeiras. Sem falar no quanto o cenário é fotogênico, mesmo à noite, quando recebe iluminação especial, para aquele clique de sucesso nas redes sociais.
Embora o Patacho seja mais um destino de descanso que de tantos passeios, para quem prefere um pouco mais de movimento, a Samba Pa Ti disponibiliza stand up paddle, caiaque e bicicletas sem custo adicional. A partir da pousada, também é possível contratar bugueiros e jangadeiros para percorrer a região.
Veículos motorizados, entretanto, não podem trafegar pela areia. O roteiro de buggy é feito pela trilha paralela que cruza os coqueirais. Uma forma de manter a tranquilidade da praia e o cuidado com o meio ambiente.
A sustentabilidade também é uma preocupação visível na Samba Pa Ti, que se traduz tanto na geração própria de energia solar quanto no banimento do plástico, até mesmo dos cestinhos de lixo, forrados com sacos de papel reciclado.
Características como essas estão entre as que credenciaram a pousada a integrar o Circuito Elegante, reconhecido guia da hotelaria nacional.
A gastronomia é outro item que merece destaque, e nota 10. O café da manhã servido à la carte já soma muitos pontos. Basta preencher a fichinha com os itens preferidos e voilà: uma mesa farta se materializa à sua frente com frutas, tapioca, omelete, pães, geleias, bolos, pratos regionais, iogurte, sucos, leite e café.
Nas outras refeições, a diversidade é a mesma. Delícias locais e contemporâneas compõem o cardápio assinado pela chef Dani Britto, em que as estrelas são o arroz de polvo e o camarão na moranga. De entradinha ou para beliscar, o ceviche e o camarão crocante são companhias certas de um refrescante vinho branco.
Ao cair da tarde, o melhor lugar para relaxar é a beira da praia. Nas fases cheia ou nova, dá para ver a lua nascer no mar. Moradores da região e turistas costumam sentar na areia para apreciar o espetáculo, sempre digno de aplausos.
Gastronomia é cheia de atributos
Se a natureza é pródiga, a gastronomia não deixa por menos em atributos na Rota Ecológica. Dentro ou fora das pousadas, a boa mesa já é uma realidade. Com a oferta abundante e fresquinha, os frutos do mar formam a sólida base de cozinhas como a da Aldeia Beijupirá. Ali, pescados, moluscos e crustáceos se apresentam em “mixiras”, a arte da mistura de sabores que virou marca da grife comandada pela pernambucana Adriana Didier, em parceria com o marido e sócio português Joaquim Gonçalves.
Peixes nobres, polvo, lagosta e camarões ganham suculência especial conferida por molhos cítricos e perfume de especiarias como a canela e o curry.
Até um despretensioso tornedó, para quem sente falta de terra depois de dias se alimentando de mar, é alçado a outro status quando guarnecido por um consistente purê de banana com gorgonzola. O dengo final fica por conta do pastel de nata, de capa crocante e recheio sedoso, como só se encontra além-mar.
Outro endereço para se deleitar é o do Patrícia Bistrô. No povoado de Porto da Rua, a casa de vila poderia até passar despercebida não fossem carros com placas de diferentes cidades estacionados no local. A fama vem da reconhecida chef Patrícia Possas, que esteve à frente do restaurante da Pousada Patacho por quatro anos, até se aventurar em uma proposta autoral.
A mágica acontece ao ar livre em mesas dispostas no quintal. Neste período em que o distanciamento social ainda se impõe, os espaços privativos, com iluminação branda e intimista, são um diferencial a mais do bistrô. Medidas de segurança sanitária garantidas, deixe o paladar servir de guia no passeio pelo menu de inspiração franco-brasileira.
O cardápio é enxuto, mas criativo o suficiente para agradar de carnívoros a vegetarianos. No meio termo, a opção mais eloquente: frutos do mar com pesto de legumes grelhados, crispy de alho poró e redução de laranja. De sobremesa, o bolo de rolo grelhado, com sorvete de tapioca e calda de cachaça revela a origem pernambucana da chef que adotou o norte de Alagoas como laboratório gastronômico.
Entre uma refeição e outra, a pausa para o café pode ser no Jardim Secreto, que de escondido não tem nada. Fica à beira da estrada, em uma casa pintada com temática de cordel, que serve deliciosos pães e bolos feitos artesanalmente.
Encontro com o peixe-boi marinho no Rio Tatuamunha
Embora o melhor a fazer no Patacho seja não fazer nada, pelo menos um passeio já é tradicional no destino: a visita à Associação Peixe-Boi. Qualquer semelhança com o projeto de Itamaracá, no Litoral Norte de Pernambuco, não é mesmo coincidência. Os animais que nascem no criadouro da sede da iniciativa na ilha são transferidos para Porto de Pedras e soltos no Rio Tatuamunha para se reintegrarem à natureza.
As águas tranquilas da região estão entre as preferidas pela espécie para reproduzir. Como a gestação de um peixe-boi dura 13 meses, as fêmeas precisam de um lugar seguro para parir.
No passado, a caça predatória, hoje considerada crime, deixou o animal no limiar da extinção. De tão dóceis e inofensivos, os bichinhos se tornavam presas fáceis.
Agora, eles podem ser observados em “cercadinhos” na área de reabilitação onde são preparados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para voltar ao habitat original.
O roteiro é feito de jangada não motorizada, na companhia de dois remadores e um condutor. Dura de 45 minutos a uma hora. Com sorte, como a que tivemos, dá até para flagrar um ou outro peixe-boi já nadando livremente pelo rio. Às vezes, chegam até a se apoiar no barco. Emoção que nenhum aquário substitui.
Além da preservação do mamífero aquático mais cativante do Brasil, a beleza do projeto está no envolvimento da comunidade local em uma proposta de turismo sustentável. São atualmente 44 associados que deixaram a pesca em área de proteção ambiental para conduzir os visitantes até o encontro com os animais. Trabalhadores como o Sr. Carlos José de Lima hoje falam com orgulho sobre o comportamento dos simpáticos mascotes de 600 quilos e até quatro metros de comprimento que aprenderam a amar e defender.
Em 11 anos de trabalho, a Associação Peixe-Boi fechou pela primeira vez as portas durante a pandemia e só retomou as atividades no início deste mês, com os devidos protocolos de segurança sanitária. A capacidade das embarcações foi reduzida de oito para quatro passageiros e o uso de máscara é obrigatório. O passeio pode ser agendado nas pousadas, por telefone (3298-6247) ou diretamente na sede do projeto. Custa R$ 50, que são integralmente revertidos para a manutenção da iniciativa e remuneração dos colaboradores.
Artesanato para levar na bagagem
Antes ou depois do passeio ao santuário do peixe-boi marinho, aproveite para apreciar com calma os lindos casarões centenários que se exibem à beira da estrada em Tatuamunha.
Além da arquitetura, outro atrativo é o polo de artesanato que começa a se consolidar ao longo da AL-101. Nas portas de muitas residências ou em lojas que também funcionam como oficinas, é possível encontrar as peças que costumam decorar as pousadas e dão vontade de levar na bagagem.
Visitantes são sempre bem-vindos por ali, mas o aviso na entrada logo indica que os tempos mudaram. Agora, só passa da soleira quem usar máscara.
A matéria-prima dos itens em exposição é o que a terra oferece com generosidade: palha de coco e ouricuri, assim como resíduos de massaranduba, jaqueira, mangueira e taioba. Com muita criatividade, ganham forma de luminárias, caixas, mesas, bancos, cadeiras, bandejas, suplás, utensílios de cozinha e esculturas de formatos diversos. “Aproveitamos de tudo para fazer cada objeto com amor”, resume Mayra Ferreira, da Nascer do Sol.
A loja familiar que começou no quintal de casa hoje emprega oito artesãs da comunidade. O crescimento ocorreu nos últimos quatro anos, com a maior chegada de turistas a essa parte do litoral de Alagoas, antes pouco divulgada. “Vem gente de todo lugar comprar o que produzimos. "Dá uma satisfação muito grande saber que de alguma forma também estamos no mundo”, orgulha-se Mayra, mirando o futuro. “Nossa história já vem de duas gerações. Meus pais passaram pra mim e agora estou passando para as minhas filhas esse sonho.”
As peças custam a partir de R$ 10. O que não tem preço é transformar a viagem em memória decorativa e ainda contribuir para o desenvolvimento local.
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