Se puder, não passe pela Rua da Aurora - ou nenhuma outra rua - e fique em casa sempre que conseguir. Mas, se por algum motivo de força maior, você passar pela via que ocupa um espaço único no imaginário da cidade, há um recado para você. Ali, na esquina com a Conde da Boa Vista, com vista para o Capibaribe, um de seus mais prestigiados moradores, o Cinema São Luiz pede, gentilmente: "cuidem-se". Os letreiros vermelhos não anunciam mais as sessões do dia, suspensas desde a última terça-feira (17), por conta do surto do novo coronavírus. Mas escancaram o otimismo de um bom filme leve, à la Capra e Minnelli, deixando avisado, também em letras garrafais, que "em breve estaremos juntos". É a esperança de que este cenário de distanciamento social deixe ser o de uma desoladora ficção-científica
"É um momento de se comunicar com a cidade e o São Luiz é um lugar único, no qual a cidade se envolve no cinema e o cinema na cidade. Para mim, a esquina da Aurora com a Conde da Boa Vista é a mais importante do Recife, então resolvemos utilizar esse espaço para fazer o pedido", relata Geraldo Pinho, programador do São Luiz, sobre a decisão de deixar a mensagem aos recifenses. Além dos letreiros, os sete expositores do equipamento agora abrigam material com informações e recomendações da Secretaria de Saúde. "Todo espaço da cidade deveria ter informações, seja público ou privado. Queremos passar também esperança, de que voltaremos a nos encontrar", conta Pinho.
O último dia de sessões do cinema foi na última terça-feira (17). Ontem foi realizado o processo de limpeza do espaço. Geraldo relata que, em seus últimos dias de funcionamento, a queda de público era em torno de 70%. Nesse período, foi adotado um novo esquema de limpeza, com uma intensa higienização de tudo o que fica no caminho do público, entre a bilheteria e a plateia.
Agora, o São Luiz se encaminha para um fechamento mais definitivo das portas durante o período. Está sendo finalizado um procedimento de limpeza a seco das cadeiras, iniciado no Carnaval, com previsão de encerramento nos próximos dois dias. A movimentação de funcionários se resume a uma vez por semana, com um deles acompanhando Gustavo Coimbra, gestor do equipamento, para a resolver as últimas burocracias de pagamentos. Caso um cenário melhor e mais seguro surja no futuro, o plano é de que um deles vá ao cinema para ligar os equipamentos, que podem sofrer prejuízos após um longo período de inércia. Até lá, todos em casa.
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"A gente tem que ficar em casa mesmo, pois lidamos com o público esses últimos dias. Estamos protegidos agora, nos comunicando para saber se todos estão bem", explica o programador. Geraldo, com seus 69 anos e, portanto, dentro do grupo de risco da doença, já realizava suas operações de casa nesta semana. Desde fevereiro, ele só ia ao cinema em casos de extrema necessidade. Nesse teletrabalho, surgiu a ideia do recado do cinema. "Não queríamos parar e deixar aquilo ali vazio", afirma.
Sua relação de carinho com os cinemas da cidade é antiga. Na juventude, época com mais cinemas de rua, Geraldo se tornou um grande frequentador. O Coliseu, na Zona Norte da cidade, era um deles. "Eu era fascinado, mas não queria só ver, queria entender. Entender de onde saía aquela projeção, onde aquelas imagens ficavam escondidas. Fui me envolvendo e me qualificando até chegar aqui", conta Geraldo, em entrevista concedida ao Jornal do Commercio em 2018.
O cineclubismo foi sua porta de entrada.Depois vieram as qualificações, como na extinta Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilmes). Geraldo trabalhou também na área de gráfica, como professor ou linotipista da imprensa oficial. Em 1993, assumiu a administração e programação do cinema do Teatro do Parque, onde permaneceu até 2002, acompanhando grandes mudanças no mercado exibidor. Em 2010, ficou responsável pelo treinamento da equipe para a reabertura do Cine São Luiz e, em 2011, assumiu efetivamente como programador do cinema mais afetivo da cidade.
"Recife tem que ter orgulho de um cinema de rua com a beleza do São Luiz. É um cinema que precisa de cuidado, com seus 67 anos também é alvo do vírus. Ele é tão importante quanto o Teatro de Santa Isabel e o Mercado de São José. Sobreviveu na contramão do que a indústria diz, que o cinema de rua não tem mais vez. Ele está lá, mesmo sem exibir filmes, comunicando-se com a cidade”, argumenta Geraldo. "A gente vai estar junto novamente, ele vai voltar e todo mundo estará sentado juntinho, pertinho e no escurinho", conclui.
SALAS FECHADAS
As salas de cinema da Região Metropolitana também estão com atividades suspensas. As salas de cinema da Fundação Joaquim Nabuco, no Derby e em Casa Forte, foram as primeiras, com a programação interrompida desde o último sábado. A medida foi estendida para todas as atividades da instituição, como museus, galerias e escolas. A rede Moviemax, com cinemas no Recife (Rosa e Silva), Garanhuns (El Dorado), Igarassu (Shopping Igarassu), Camaragibe (Camará Shopping) e São Lourenço da Mata (Royal), também anunciou cessação de serviços.
A rede Cinemark, presente no Shopping RioMar, comunicou também a suspensão de suas atividades por meio de nota. Assim também fizeram a UCI (Shoppings Recife, Tacaruna, Plaza e Boa Vista), Cinepólis (Patteo Shopping Olinda e Shopping Guararapes). Em âmbito estadual, as redes levaram em consideração o decreto nº 48.822, do Governo do Estado, que proíbe a realização de eventos com mais de 500 pessoas. A previsão da mídia especializada é do fechamento de mais de mil salas em território nacional.
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