Visionário

Em 'Colores', J Balvin canta a utopia da festa em tempos de coronavírus

Artista colombiano lança seu sexto álbum solo e reforça seu papel pioneiro na música contemporânea

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 23/03/2020 às 18:11 | Atualizado em 24/03/2020 às 10:31
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J Balvin quebra estereótipos de hipermasculinidade na música urbana latina - FOTO: Reprodução

Colores, novo álbum de J Balvin, chegou às plataformas de streaming em um momento no qual não há outro assunto possível que não o coronavírus. Direta ou indiretamente, o modo de vida que conhecíamos está em suspenso por tempo indeterminado, o que exige resiliência. Ainda que fosse impossível prever o que estava por vir - e o que virá - o trabalho do colombiano parece particularmente alinhado com as necessidades do momento, advogando por um mundo mais leve, vibrante, inclusivo e livre de barreiras linguísticas e culturais.

J Balvin tem, como poucos, conseguido capturar o zeitgeist dos últimos anos. Mi Gente, seu fenômeno cultural lançado em 2017, marcou o ponto de virada da música urbana latina ao atingir novos públicos e diluir barreiras de gênero, expandindo o que se entendia como reggaeton. Sua sonoridade e mensagem exaltavam o fim de fronteiras e a união em torno da música e da arte. Seu nome virou referência no mercado hispânico e sua influência tornou-se global. Atualmente, seus vídeos no Youtube contam com mais de 12 bilhões de visualizações e ele é o quinto artista mais escutado no Spotify, com 55 milhões de ouvintes mensais.

Sua sagacidade em entender a dinâmica da era dos streamings, com lançamentos quase semanais e muitas parcerias, com artistas como Beyoncé, Rosalía, The Black Eyed Peas, Major Lazer e Anitta, fez dele uma força no ramo, mas sua visão artística faz com que ele seja mais do que um artista de singles. Seus dois álbuns anteriores, o solo Vibras (2018) e o colaborativo Oasis (2019), com o porto-riquenho Bad Bunny, são obras instigantes, com infusão de diferentes referências musicais e culturais que solidificam sua visão singular do que é ser um artista latino na contemporaneidade.

Ainda que seja fluente em inglês, J Balvin praticamente só canta em espanhol. Quando foi headliner do Coachella, ano passado, tornando-se o primeiro artista latino a fazê-lo, ou subiu ao palco do SuperBowl deste ano ao lado de Shakira e Jennifer Lopez, não estava ali como uma alegoria folclórica, mas como um representante de uma cultura complexa, urbana e orgulhosamente sul-americana.

>> Com 'Vibras', J Balvin pavimenta a globalização do reggaeton

Os símbolos de hipermasculinidade que costumam pautar tanto o reggaeton quanto o hip hop, dois gêneros amplamente fundidos por ele, são ignorados por Balvin, um homem hétero, conhecido por suas roupas extravagantes, cabelos coloridos e discursos que desafiam preconceitos históricos contra minorias. E há algo de poderoso em alguém que, apesar de todos os privilégios, não se encaixa nos estereótipos de galã e recusa os preceitos de normalidade, optando pela estranheza como poética.

Seu apelo global e influência têm sido reconhecido por diferentes setores, como o da moda, com gigantes como a Guess convidando-o para criar coleções exclusivas de roupas. Esse potencial que ultrapassa a música coloca J Balvin no patamar de outros superstars que se transformaram, também, em marcas, entre eles sua conterrânea Shakira.

 
 
 
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#Colores coming soon with my partners at @guess ????????#GuessxJBalvin #GuessPartner y el álbum colores 20 de marzo.

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Colores é um trabalho que explicita essa visão anti-binária e que abraça distintas referências do artista colombiano. A capa do álbum é assinada por Takashi Murakami, com quem Balvin já havia colaborado em outras ocasiões, e apresenta uma profusão de flores com os inconfudíveis traços do artista visual japonês, com toques infantis e inspirados em animes. O arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, é utilizado por ele como um símbolo de “inclusão, união, amor, alegria, boas vibrações e tolerância”.

COLORIDO

As dez faixas do disco, que juntas somam menos de meia hora, são atravessadas por essa multiplicidade de sensações que podem ser evocadas pela arte, com cada canção representando uma cor. As vibrantes Amarillo (Amarelo) e Azul, por exemplo continuam a busca pela festa perfeita, a noite sem fim que não parece condenada pelo nascer do sol. Rojo (Vermelho) carrega algo de melancólico embalado por batidas marcadas. No vídeo, Balvin morre em um acidente de carro e assiste ao luto daqueles ao seu redor. Sobre o clipe, ele conta que quis que fosse marcado por tristeza, com pessoas chorando, por representar o oposto do que se espera de um clipe de reggaeton, normalmente associados à felicidade.

Essa busca pelo inusitado, pronto para arriscar-se, faz dele um dos artistas mais interessantes de sua geração. Sua habilidade em criar refrões viciantes faz com que até seus trabalhos mais experimentais pareçam inescapáveis e impossíveis de ser ignorados pelo ouvinte. Há um convite explícito para não deixar de dançar - e aqui essa ação é movida por diferentes razões e sentimentos, da felicidade à tristeza - lembrando que há transformação no movimento.

Em meio a uma pandemia que exige o isolamento, a festa soa como uma utopia. Quando não há certezas, o direito a dançar, com a reunião de corpos suados, trocando energia, que tínhamos como garantido, é uma interrogação e parece de menor importância diante do caos e do medo que vivemos. Mas, há algo de poderoso e subversivo na crença por dias melhores e no hedonismo que, em essência, nos lembra que respeitar nossas emoções, sem abrir mão de acreditar na diversão e no escapismo, são parte do que nos torna humanos.

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