A emenda proposta pelo deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) à MP 948/20, no que diz respeito aos direitos autorais, tem causado muitas discussões desde que o assunto começo a ganhar repercussão, terça-feira (5). A questão ganhou fôlego quando Anitta utilizou suas redes sociais para questionar o projeto e fez uma live com o parlamentar em busca de esclarecimento. Após o fim da conversa, Carreras utilizou o seu Instagram para dar mais detalhes e continuou a se explicar em novos comunicados, como a entrevista que concedeu nesta quarta-feira (6), no programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal.
Na conversa com Geraldo Freire, Felipe Carreras disse que sua proposta, primeiramente, seria um debate sobre o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que ele voltou a acusar de não ter transparência em relação aos valores que são pagos aos artistas. O parlamentar afirmou que muitos deles não são beneficiados pelas práticas da instituição, enquanto uma "panelinha", composta por aqueles que ele classificou como "garotos-propagandas do Ecad", receberia quantias "absurdas".
"Falando sobre a emenda especificamente que nós apresentamos: hoje o Ecad cobra 10% do faturamento bruto de quem produz shows ao vivo, espetáculos, no teatro", disse. "Não existe nenhuma atividade econômica no país que incida um percentual no bruto fora o imposto", considerou.
Carreras afirmou que sua proposta, que pode ser mudada, é que o critério de cobrança não fique mais sobre a bilheteria bruta, mas no indicador relativo ao cachê do artista. Segundo o deputado, o cachê do artista será preservado totalmente e, em cima do cachê, o contratante pagaria 5% ao Ecad. A medida, na sua opinião, daria mais transparência às transações e maior controle aos artistas.
Durante a entrevista, Felipe Carreras subiu o tom e afirmou que na Câmara dos Deputados há "muitos covardes" que ficariam amedrontados de enfrentar os cantores com muita popularidade.
"Estou agora no segundo mandato, o primeiro eu passei praticamente como secretário de Estado, e estou convivendo lá na Câmara e tem muito covarde. Porque quando chega uma Anitta com 50 milhões de seguidores, outros grandes artistas que eu não vou citar os nomes, eles se juntam porque são os grandes garotos-propaganda do Ecad, são os maiores arrecadadores, eles têm muitos fãs, e o Ecad usa eles como escudo e o parlamentar se acovarda de medo", disse.
O deputado disse ainda que, inclusive, tentaria abrir uma CPI para investigar o Ecad e que há pressão de grandes artistas para que ele não seja o relator da MP por um suposto medo.
"Eles conseguem essa cortina de fumaça para ninguém ir a fundo e abrir essa caixa-preta por conta disso. Mas eu estou topando esse desafio, pode ser Anitta, pode ser quem for, eu quero transparência. Estou com a verdade. Então, eu vou me aprofundar, vou trabalhar para que seja feita uma CPI na Câmara dos Deputados, para a gente possa quebrar o sigilo bancário dessas associações e ir a fundo, para que o pequeno artista brasileiro saber como funciona a caixa-preta do Ecad", afirmou.
Felipe Carreras disse ainda durante a entrevista no Rádio Livre que ligou para a superintendência do Ecad, que teria aberto a possibilidade de diálogo, mas que foi ignorado pela instituição.
Embate com Anitta
Durante a conversa com Anitta, realizada no Instagram, na terça-feira (5), Carreras levantou esses pontos, mas foi rebatido pela artista. De acordo com Anitta, o Ecad representa todos os artistas e que a medida proposta pelo deputado não beneficiaria os profissionais da área, especialmente os compositores que, na sua opinião, seriam os mais prejudicados.
Anitta afirmou, ainda, que se Carreras quisesse o diálogo, deveria ter aberto debates antes de submeter a emenda. O deputado afirmou que a proposta não seria votada, "nem em maio, nem em junho", provavelmente só entrando na pauta no final de julho ou agosto. Anitta disse que, ainda assim, era pouco tempo para se discutir uma questão tão complexa e questionou o fato de Carreras ter adicionado a emenda em uma Medida Provisória relativa à pandemia do novo coronavírus.
"Eu não encaro como se você estivesse do nosso lado. Como eu te falei, esse é um momento que não condiz, principalmente na MP 948, que é uma MP de urgência que é sobre toda a dificuldade que as pessoas estão passando nesse momento de coronavírus, usar essa MP de urgência para colocar uma questão de direito autoral, não é o momento", disse a cantora na live. "Eu encaro como alguém que está tirando proveito da situação"
A artista afirmou ainda que, em 2012, os artistas fizeram uma série de sugestões sobre melhorias ao Ecad e que se o parlamentar quisesse de fato ajudá-los poderia trabalhar para implementar esses ajustes. Anitta se ofereceu, ainda, para acompanhar o deputado em uma visita ao Ecad, quando a pandemia acabasse, para que pudessem conversar e encontrar caminhos benéficos para a classe artística.
Em seus stories, a cantora afirmou que o Ecad tem vários pontos que podem ser melhorados e, comparado com órgãos do exterior, por exemplo, deixaria a desejar. Ela explicou, por exemplo, que seu faturamento com direitos autorais no exterior é quase equivalente ao do Brasil, apesar de lá ela ter menos repercussão do que em seu país de origem. No entanto, ela se disse a favor da instituição pois ela representa todos os artistas e, na live com Carreras, afirmou que o Ecad também é elogiado por outros países.
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Resposta do Ecad
Questionado pelo Jornal do Commercio sobre a emenda do deputado Felipe Carreras, o Ecad questionou a proposta do parlamentar e afirmou que ela "não só reduz a remuneração dos compositores, como tira a responsabilidade dos produtores dos eventos em pagar pelo direito autoral e a transfere para os intérpretes". Leia a resposta do Ecad na íntegra:
"A proteção do direito autoral é garantida, no Brasil, pela Constituição Federal em seu artigo 5º., parágrafos 27 e 28, bem como pelo Código Civil Brasileiro e pela Lei 9.610/98. Portanto, o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) entende que a Medida Provisória 948, que trata da relação de consumo decorrente do cancelamento de serviços e reservas de shows e eventos por conta do coronavírus, não é o instrumento apropriado para um debate sobre o direito autoral em execução pública de música.
A indústria da música e o setor de shows e eventos foram duramente atingidos pela pandemia. Portanto, alterar a lei de direitos autorais por meio de uma MP no contexto de uma crise sanitária sem precedentes, que tem provocado sofrimento e mortes a milhares de brasileiros, é de um oportunismo sem limites.
O deputado Felipe Carreras, autor da emenda à MP 948, propõe a proibição da cobrança de direitos autorais de pessoas físicas ou jurídicas em eventos públicos ou privados que não sejam o intérprete e afirma que a medida não tira nenhum direito dos compositores e demais titulares. Isso não é verdade.
Compositores não recebem cachê. Muitos nem fazem shows ou ganham com imagem. Os direitos autorais garantem, portanto, a devida remuneração aos músicos pelo alcance da sua obra, em uma execução pública. Por isso, no mundo inteiro, quem paga o direito autoral é o produtor e não o intérprete, de acordo com o tamanho de público do seu evento.
A emenda não só reduz a remuneração dos compositores, como tira a responsabilidade dos produtores dos eventos em pagar pelo direito autoral e a transfere para os intérpretes.
O Ecad é uma empresa privada, sem fins lucrativos, e administrada por sete associações de música. A empresa é auditada anualmente por empresas independentes e por órgãos públicos como a Receita Federal e o INSS. Os balanços patrimonial e social estão disponíveis no site oficial, assim como todas as regras de cobrança e distribuição e nossa tabela de preços. Além disso, o Ecad é supervisionado pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania."
Marisa Monte, Alcione e mais artistas se posicionam contra a emenda
Além de Anitta, vários artistas se manifestaram contra a proposta do deputado pernambucano. Na postagem da conversa com Carreras no Instagram da intérprete de Vai Malandra, nomes como Marina Lima, Fernanda Abreu, Diogo Nogueira, Kevinho, Maria Gadu, o grupo Jota Quest, Lexa, Paula Lima, Teresa Cristina, entre outros, apoiaram a artista e repudiaram a proposta de Carreras.
"Representou! Assisti ao vivo. Não deixou o deputado enrolar", escreveu o cantor e compositor Nando Reis na caixa de comentários da cantora.
Segundo matéria da Revista Época, Marisa Monte, Alcione e mais 17 artistas enviaram áudios ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pedindo para que a relatoria da MP 948 não seja entregue a Felipe Carreras. Segundo a reportagem, no áudio, Maria Monte afirma que o deputado pernambucano teria interesses conflitantes aos dos artistas e que nesse momento, qualquer mudança em direitos autorais seria mal recebida "por todos".
Presidente da associação Procure Saber, a produtora Paula Lavigne assinou uma carta afirmando que os direitos de autores e compositores brasileiros estariam sendo ameaçados pela proposta de Felipe Carreras, que agiria por interesses pessoais e em benefício de promotores de eventos.
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