“Eu sempre soube o tamanho que a música tem na minha vida, o quanto ela é importante pra mim, o quanto ela é dominante na minha vida. E eu preciso muito disso pra viver, pra ser feliz. Agora, eu preciso, pra mim, saber que eu fiz sozinha”: A frase dita por Sandy nos primeiros minutos do documentário Tempo, de Fernando Grostein Andrade, definem bem o que foi o álbum Manuscrito (Universal Music, 2010), lançado há exatos 10 anos, que junto com este doc, marcava o início da carreira solo da cantora, após 17 anos de sucesso na dupla Sandy e Junior.
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Com a parceria com o irmão Junior Lima finalizada em dezembro de 2007, Sandy na época deu uma pausa nos palcos para tentar tocar, enfim, a sua vida pessoal. Até Manuscrito vir à tona em 7 de maio de 2010, a cantora concluiu o curso de Letras na PUC de Campinas em 2008 e casou com o músico Lucas Lima, seu grande parceiro pessoal e profissional, com quem segue firme até hoje e tem um filho, Theo, nascido em junho de 2014.
Na época, muitos questionavam como seria o caminho de Sandy solo e, principalmente, se ela conseguiria manter o êxito dos tempos áureos de dupla, que vendia milhões de discos e arrastava multidões. Aos poucos que arriscavam algo, diziam apenas que ela veredaria pelos caminhos da MPB. Na contramão dessa e de outras expectativas, a cantora decidiu mesmo pegar as rédeas de sua carreira e cuidar diretamente de sua música para poder imprimir a sua identidade enquanto cantora e, principalmente, compositora. Sem tempos, prazos a cumprir e/ou incorporar músicas ditas comerciais em seu novo repertório.
Em busca de um trabalho orgânico, coerente e autêntico, Sandy escolheu o que muitos julgaram como o caminho mais fácil: colocar Lucas Lima e o irmão Junior Lima como produtores musicais do Manuscrito. Todavia, a cantora assina a “coordenação musical” do álbum, composto de 13 faixas. No mesmo documentário Tempo, Lucas justificou a decisão da artista: “Desde o final da carreira de Sandy e Junior, nós conversamos muito sobre qual seria o próximo passo da Sandy, qual vertente ela ia seguir em termos musicais. A partir disso, começamos a procurar produtores e pessoas que trabalhassem com esse estilo de música que pudessem fazer o mais próximo possível da visão que ela tem. Mas sempre acabava ficando um pouco longe dessa realidade que ela tinha desse disco de ser um álbum mais intimista, menos pretensioso. Não era um disco para manter o nível de Sandy e Junior, mas sim um disco para ser dela, uma coisa que não saísse das mãos dela”.
Sandy completa o pensamento do músico: “Eu achei que não combinaria com essas músicas, essas composições, com essa minha personalidade, inclusive, esse meu momento atual. [...] Fazer um CD todo introspectivo, beirando o melancólico, com músicas muito minhas, que eu compus num quarto meio escuro, e depois de tudo isso levar para Los Angeles para gravar! Então eu quis pegar tudo e trazer para o mais perto de mim possível”.
As músicas de Manuscrito revelam que é uma obra, de fato, mais introspectiva. Talvez pelo medo de andar sozinha profissionalmente naquele momento, quando tinha 26 anos, mas elas não se mostram canções rasas ou inconsistentes. Com faixas nascidas em seu caderninho de composições desde 2005, Sandy abriu parte de “seu quarto escuro” para entregar um álbum pessoal, já que ela assina sozinha ou em parceria todas as composições do disco. Fugindo do óbvio, o disco explora sonoridades diferentes como valsa, blues, folk, sem deixar de lado o pop rock somadas à delicadeza de instrumentos como piano e violão, que se destacam em todo o projeto.
Para o lançamento de seu début como solista, Sandy apostou também em um novo visual, abandonando os cabelos de madeixas loiras e longas para radicalizar num cabelo curto e preto, mais próximo do seu natural. “Eu sempre gostei de fazer mudanças e fazia quase 10 anos que eu pensava já em cortar o cabelo curto. Então, eu gostei. Eu queria mudar, sempre gostei de mudar. E porque é CD novo, é um novo ciclo, é vida nova, eu acho que merecia um visual novo também. Acho que tinha que estar tudo de acordo”, justifica ela no doc.
A faixa Pés Cansados foi escolhida para ser a primeira música de trabalho. Na época, acabou vazando dias antes do planejado, em uma versão de baixa qualidade, mas não tirou o brilho da simbologia do que aquela canção de 3:41 tinha para dizer. “Depois de tanto caminhar/ Depois de quase desistir/ Os mesmos pés cansados/ Voltam pra você” exemplifica bem o período de caminhada com a dupla, o fim dela, mas como sua trajetória na música a ajudou a seguir adiante.
Ao juntar delicadeza, melancolia e alegria dentro de um mesmo álbum, Sandy entregou faixas que até hoje são representativas em seu repertório solo como as românticas Ela/Ele e Perdida e Salva, até as mais reflexivas como Duras Pedras, O Que Faltou Ser, Esconderijo e Tempo. Esta última, inclusive, soa mais que necessária para esse período difícil que a sociedade vive atualmente. A participação da cantora britânica Nerina Pallot em Dias Iguais só veio somar na ótima letra passional com toques de melancolia e um potente vocalize conjunto das artistas na ponte para o refrão final. Mais Um Rosto também é outro destaque, já que esta música nasceu na época da dupla, para o derradeiro álbum de estúdio de 2006, foi cogitada para o disco do Nove Mil Anjos – a extinta banda que Junior Lima criou logo após o fim da parceria em 2008 – e foi ter vida própria apenas neste projeto.
Da ponta de seu lápis, para a ponta de seus dedos ao piano (e também ao rhodes em Esconderijo), e a sinceridade na sua interpretação, o álbum Manuscrito representa para Sandy, dez anos depois, mais que o seu marco zero na carreira como solista. É um disco responsável por apresentar e desnudar seus mais íntimos sentimentos – sejam eles alegres ou tristes – traduzidos em forma de canção.
MANUSCRITO - FAIXA A FAIXA - POR SANDY
1) Pés Cansados - "Foi a última música a ficar pronta para o CD, curiosamente. Foi composta por mim e pelo Lucas de maneira muito despretensiosa, nem imaginei que essa música fosse entrar no disco [...] É uma letra importante, de sentimentos importantes para mim. Inclusive, ela pode ter várias interpretações".
2) Quem Eu Sou - "Foi uma música composta também por mim e pelo Lucas. [...] A letra dela foi inspirada num poema que eu já tinha feito um tempinho e falava sobre essa busca por quem eu sou. [...] Mas não é uma busca ansiosa, desesperada e pessimista. É uma busca calma, tranquila, leve. Uma música cheia de perguntas a serem respondidas, mas não precisa ser agora, já."
3) Tempo - "Composta por mim e pelo Lucas também. Ela tem uma mensagem que eu considero muito bacana, uma frase usada por todo mundo: 'Isso vai passar também'. [...] É só uma discussão sobre esse assunto que está presente na vida de todo mundo, inclusive na minha. E o nome da música é exatamente por isso. Porque, o que é que faz tudo passar? É só o tempo."
4) Ela/Ele - "Uma das minhas músicas preferidas no CD. Ela demorou bastante para ficar pronta porque exigi muito dela, era uma música importante pra mim. [...] É uma letra poética e intencionalmente ingênua. [...] Ela conta uma historinha de um casal. Eu sempre gostei de músicas que contam histórias e eu quis fazer uma também".
5) Dedilhada - "O meu irmão teve a ideia do riff e mandou para mim por e-mail, por mp3, e na hora de colocar um nome no arquivo ele colocou 'dedilhada', para identificar a música, porque ela era meio dedilhada no violão. E aí que foi o nome que deu o tema para a letra depois. Eu fiz com o Lucas a letra pensando nisso. Nós usamos isso para falar sobre a vida, que é um tema recorrente no meu disco. Falar assim: 'Eu não quero uma vida dedilhada, pela metade. As coisas que eu for viver, eu quero viver intensamente'. A música fala muito disso."
6) Sem Jeito - "Foi uma música que aconteceu também por acaso. Eu comecei a compor sozinha a melodia, com um pouquinho da letra, de uma maneira já meio desajeitada! (risos) E aí mostrei pro Lucas e na hora ele gostou, e já pegou o violão e começou a tocar, fazer a harmonia, e a gente já teve mil ideias para o arranjo. Acho que foi o arranjo mais divertido desse CD."
7) Duras Pedras - "Uma das músicas que eu já tinha pronta há mais tempo. Desde 2007, se eu não me engano. [...] São conflitos que a gente tem às vezes, e simplesmente vem à cabeça de vez em quando numa reflexão, e é muito natural. A letra fala disso: para chegarmos a um objetivo, a uma meta, nós temos que submetermos a tudo que tem no meio do caminho. Tem que passar por tudo. [...] É uma letra mais densa, que fala de sentimentos mais profundos meus."
8) O Que Faltou Ser - "É também uma das músicas mais antigas. Acho que terminei de compor em 2007. Compus sozinha. Tem uma letra bem melancólica, que fala um pouco daquilo que sobra quando a outra pessoa vai embora. O medo do que é que fica quando a pessoa vai."
9) Perdida e Salva - "Uma música composta por mim e pelo Lucas em 2008, se eu não me engano. É uma música romântica por ser romântica. Foi onde eu me permiti na letra só ser romântica. É meio que uma declaração de amor mesmo, daquele amor bom e positivo o tempo todo, e feliz, e alegre. É uma das músicas mais leves do disco e mais felizinhas assim."
10) Dias Iguais (feat. Nerina Pallot) - "É uma música muito especial para mim no disco. Compus despretensiosamente primeiro a melodia, depois eu tinha uma poesia começada e que eu encaixei naquela harmonia, fiz umas adaptações e deu certo. Uma letra que fala da espera. E o dia vai passando, vai se transformando e a pessoa continua esperando por alguém não chega."
11) Mais Um Rosto - "É a mais antiga. Foi composta no final de 2005 por mim, pelo Lucas e pelo Junior. A letra dela é bem autoexplicativa. Fala de sentimentos importantes, reflexões minhas importantes, do fundo do meu coração, da minha alma. Acho que são coisas pelas quais todo mundo passa também, alguns conflitos."
12) Tão Comum - "Uma música que eu compus com meu irmão e depois o Lucas ajudou a gente a finalizar, composta em 2007. Ela expressa bem aquele momento que eu estava vivendo que era o fim da carreira com o meu irmão, porque eu não sabia por onde eu estava indo, se ia dar certo ou não, mas acho que isso tudo é válido. Temos que arriscar muitas vezes, sem saber no que vai dar."
13) Esconderijo - "É a música mais intimista. Foi composta no começo de 2009 por mim, sozinha. É uma reflexão do fundo da minha alma. Ela fala, inclusive, de um cantinho da alma que eu chamo nessa música de quartinho escuro, que nós temos dentro da gente e que é só nosso e não pode deixar ninguém entrar. Porque tem coisas que ninguém pode ver, só a gente mesmo. Nossos segredos mais íntimos e mais secretos. [...] Ela é tão curtinha, tem 1 minuto só, mas achei que ela se bastava. Não precisava dizer mais nada".
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