Música

Afrodescendência de Chiquinha Gonzaga é resgatada em exposição

Maestrina é tema de mostra do Itáu Cultural, que destaca ainda seu empenho em causas sociais

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 05/03/2021 às 10:55
ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES/DIVULGAÇÃO
REVOLUCIONÁRIA Chiquinha Gonzaga foi instrumental para mudanças na arte e na cultura brasileira - FOTO: ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES/DIVULGAÇÃO
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Chiquinha Gonzaga (1847—1935) deixou um legado indelével para a cultura e a sociedade brasileira. Primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil e a compor uma marcha carnavalesca com letra, a icônica Ó Abre Alas, ela aproximou o popular do erudito e enfrentou o preconceito da sociedade ao vivenciar sua liberdade profissional, financeira e afetiva. A força de sua vida e obra é tema de uma robusta exposição — Ocupação Chiquinha Gonzaga — promovida pelo Itaú Cultural em sua unidade presencial, em São Paulo, e com conteúdos multimídia disponibilizados online no site da instituição.

Com curadoria dos núcleos de Comunicação e Música do Itaú Cultural, co-curadoria da cantora Juçara Marçal e consultoria de Edinha Diniz, biógrafa da compositora, a mostra reúne materiais raros, como o broche de ouro com pauta musical das primeiras notas da valsa Walkyria, composta por Chiquinha em 1884, para a opereta A Corte na Roça. No hotsite há materiais como videoguia em Libras, linha do tempo, quizz, gravações de músicas da compositora e glossário musical da época.

O projeto também interliga a vida da artista com o contexto político e social do Brasil e resgata a sua afrodescendência, historicamente apagada devido ao racismo estrutural brasileiro que "embranqueceu", também, figuras como Machado de Assis.

Uma das obras que ajudou a lançar novo interesse sobre a vida e obra de Chiquinha Gonzaga, por exemplo, foi a minissérie que leva seu nome, exibida na Globo em 1999. Nela, a artista nascida no Rio de Janeiro foi interpretada por Gabriela e Regina Duarte, duas mulheres brancas. Chiquinha, no entanto, era mulher negra, filha de pai branco e mãe "parda liberta", termo utilizado no assentamento de batismo da genitora, um dos documentos que compõem a Ocupação.

"Recuperar a identidade de Chiquinha Gonzaga como afrodescendente, sem dúvida, atualiza a sua memória e pode contribuir na luta antirracista, tão necessária", reforça a biógrafa, que ressalta ainda o engajamento político da instrumentista, entre eles a luta abolicionista. "Ela combateu a opressão patriarcal, o preconceito, a discriminação, lutando ao lado de companheiros em grandes campanhas sociais. Por último, a professora de piano, pianista de conjunto de choros, compositora, maestrina, se tornou líder de sua classe ao fundar a primeira sociedade arrecadadora e protetora dos direitos autorias de teatrólogos e músicos, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), em 1917, que existe até hoje."

ARTISTA, MULHER

O papel de Chiquinha Gonzaga em termos de representatividade para as mulheres também é enfatizado pelo projeto. Ao se separar do primeiro marido, escandalizou a sociedade, foi renegada pela família e teve negado o direito de criar dois de seus três filhos.

A artista dedicou-se à carreira na música, experimentando com instrumentos populares, como o violão (considerado na época um símbolo de malandragem), e compondo em diferentes ritmos, como maxixe, choro e lundu. Sua abertura para a cultura das classes menos abastadas e não brancas foi fundamental para a música popular brasileira. Engajou-se também em causas sociais e vivenciou seus desejos de forma mais livre, entre eles um romance, aos 52 anos, com João Batista Fernandes Lage, de 16.

"A mulher no Segundo Reinado era praticante de música. Aliás, mulher e escravizado eram os elementos que mais praticavam música: a mulher, ao piano; o escravizado, em cantos de trabalho. E é compreensível, pois eram os mais oprimidos naquela sociedade. Portanto, nada a estranhar. O que acontecia é que a música era um ornamento de salão para sinhazinhas e sinhás-donas", expõe Edinha Diniz.

"Chiquinha rompeu com essa convenção quando precisou trabalhar, depois de abandonar o casamento e ser abandonada pela família de origem. O que ela sabia fazer era tocar piano. Então, ela transforma o piano em um instrumento de liberação, dando um novo destino ao aprendizado de música que recebera. A profissionalização da mulher em música colocava em risco a reputação de uma dama. Mulheres artistas, na época, tinham má reputação", aponta a pesquisadora.

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