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Farda da rede pública de ensino de Pernambuco vira tendência no TikTok. Entenda

Fenômeno nasceu espontaneamente com coreografias de brega-funk e piseiro, ganhou amplitude nacional e hoje é a aposta de vários criadores digitais do estado

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Cadastrado por

Emannuel Bento

Publicado em 24/11/2021 às 8:31 | Atualizado em 24/11/2021 às 23:35
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Grupos de jovens vestidos com a farda da rede pública de ensino de Pernambuco já fazem parte da paisagem dos municípios do estado. Nos últimos meses, eles estão aparecendo em smartphones de todo o país. A camiseta, que é distribuída gratuitamente para os matriculados, virou uma tendência no TikTok, aplicativo que mais cresce no mundo.

O fenômeno nasceu espontaneamente, com estudantes publicando as dancinhas virais do aplicativo durante intervalos ou após as aulas, principalmente coreografias do brega-funk ou do piseiro, ritmos nordestinos que possuem grande alcance na cultura digital.

Um caso emblemático é o de Hugo Moreira, 18, jovem de Araripina que gravou vídeo dançando a música "Rolê (Vai Beber, Vai Chorar, Vai Ligar)", de Tarcíso do Acordeón, com a amiga Thamires Lacerda na quadra da escola. O vídeo alcançou 50 milhões de visualizações no TikTok e hoje o pernambucano se apresenta como "o menino da escola".

@hugolld Dando uma de @aleoliveiran do sertão ???????? se apareceu no seu #fy cometa. #fyp? #foryoupage ? som original - Hugo Moreira

Logo os usuários do TikTok de outros estados se questionaram: "que camisetas são essas?". Os pernambucanos também entenderam o apelo e passaram a produzir conteúdos com a farda. Basta buscar por "farda Pernambuco" na aba de pesquisa do aplicativo para encontrar vários conteúdos de dança e humor.

Morador de Caruaru, no Agreste, Luiz Henrique Galvão (@luiizof__), 16, vinha publicando vídeos dançando passinho há dois anos e viu seu conteúdo ganhar mais engajamento ao usar a farda. "Foi espontâneo, pois eu já vestia a farda nos vídeos antes. Passei a perceber que meus vídeos viralizavam mais com a camisa", conta o adolescente, que está no primeiro ano do ensino médio.

@luiizof__

essa dc tá mt massa>>>>>>> @marciowilliamm

? Sigilo Perigoso - Anderson Neiff & Danilo Chatinho & Mc Laranjinha

"Notei que as pessoas interagiam mais com eles. A galera do TikTok abraçou muito mais. As pessoas sempre perguntavam coisas do tipo 'onde é que vende essa camisa?' ou dizem 'quero comprar uma'. Todos dizem que essa é a camisa mais 'viralizada' do TikTok", continua Luiz, que se auto apelidou como "bb do governo" em sua bio nas redes.

O recifense Anthony Tralha (@anthonytralha), 20, dança passinho desde 2018 e já terminou a escola, mas voltou a usar a farda nas redes. "No começo as pessoas de fora pensavam que todos os vídeos eram no mesmo colégio, por conta da farda. 'Que colégio é esse que todo mundo estuda?'. Depois descobriram que era uma rede do estado", diz. "Já vi muita gente interessada. A galera pergunta como se compra e o pior é que tem gente vendendo."

@anthonytralha

O Trio que tá parando Recife ????????????##viral ##fyp ##dance ##bregafunk

? som original - Anthony Tralha ????

De fato, existem pessoas comercializando a farda, que tem distribuição gratuita. Ao pesquisar no Google, é possível achar um anúncio intitulado "Farda para TikTok - Governo de Pernambuco" na OLX. O vendedor, que colocou o valor de R$ 15, diz morar em Alagoinha, no Agreste do estado.

OLX/REPRODUÇÃO
Farda da rede pública de ensino de Pernambuco sendo vendida em site na internet - OLX/REPRODUÇÃO

Até pessoas de fora de Pernambuco surfam na onda. Morador da Bahia, Pedro Fagner (@pedrofagner) ganhou seguidores fazendo conteúdos reagindo aos vídeos. "Quero saber qual mágica esse uniforme tem pra aparecer toda hora na 'for you'”, escreve ele, se referindo à página principal de sugestões do TikTok.

@pedrofagner

É de lei aparecer aqui na for you ???? @hugolld @luiizof__ @priscilla_lays @Jhenyffer Laís @Kayky ???? ##fy ##fyp ##foryou ##viral ##fardadepernambuco ##uniforme ##tiktokpernambuco ##bregafunk ##arapucataarmada

? som original - Gaby Lopes

A tendência também já chegou no Instagram. O Brega Bregoso (@bregabregoso), uma das principais páginas de conteúdo da cena brega, sempre posta memes sobre o tema. “Alunos da rede estadual protestaram na tarde de hoje (22) em frente a escola, em Paulista. A revolta dos alunos se deu pelo fato de não ter caído coreografias do "Tik-T0k" na prova do ENEM”, escreveram, em publicação que faz paródia ao Instagram do JC (o “JP”).

Superação de preconceitos?

Para além da brincadeira, esse "trend" pode levantar reflexões sobre espetacularização do cotidiano, celebrização de pessoas da periferia e até uma certa ressignificação de uma farda da rede pública. Em toda a sociedade, o fardamento é uma ferramenta de divisão de grupos sociais e profissionais. Sendo assim, essas camisas muitas vezes são vistas com preconceito pelas classes médias.

A recifense Sarah Teodósio sentiu esse preconceito quando quando era aluna de uma escola pública e agora decidiu levar o tema para seu trabalho de conclusão de curso em Comunicação Social, Mídias Sociais e Produção Cultural, realizado na UFPE do Agreste. A tendência do TikTok faz parte da pesquisa.

"Eu entrei na rede pública no 8º ano do fundamental, após sair de uma escola particular. Se eu fosse para algum outro lugar após a escola, como o shopping, tinha de levar outra roupa na bolsa. Eu sabia que se ficasse de farda algum segurança ia ficar me seguindo, ou que iria passar por constrangimento na rua. E não era só comigo", conta Sarah.

"Nesse ano, fiquei surpresa com essa questão do TikTok, porque até então a farda era vista com maus olhos. As redes sociais deram uma visibilidade muito grande para as periferias, mas ainda vejo que a farda é muito ligada à pobreza, basta ver conteúdos de humor", continua.

@victormelo

Marquem os amigos ????

? som original - Victor Melo

Sarah cita um vídeo do humorista Victor Melo (mais de 15 milhões de seguidores no TikTok) que compara a chegada de alunos novatos nos ensinos privado e público. O jovem da escola particular é galã e charmoso, enquanto o "menino do governo" carrega estereótipos de pessoas da periferia.

"Essa visão acaba se perpetuando também nas redes, o que acaba apontando alguns problemas. Ao mesmo tempo, eu não vejo um menino como Victor tendo tanto alcance há uns 10 anos atrás. Eu acho legal que essa galera tenha voz e não tenha mais tanta vergonha de aparecer com a farda", finaliza a estudante.

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