Morre Dona Duda, referência na ciranda em Pernambuco, aos 98 anos
Ela será enterrada no Cemitério Parque das Flores, na Zona Oeste do Recife
Alcunhada de "Criadora da Ciranda" no Janga, em Paulista, Dona Duda da Ciranda faleceu aos 98 anos. A cirandeira é uma das referências da expressão cultural do Litoral Norte Pernambuco. Ela estava em um tratamento contra o câncer e será enterrada no Cemitério Parque das Flores, na Zona Oeste do Recife. A mestre cirandeira produziu uma vasta obra, que inclui mais de 200 composições.
Batizada Vitalina Alberta de Souza Paes, a pernambucana nasceu no dia 16 de abril de 1923, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. Quando completou 19 anos, mudou-se com a família para o Janga, numa casa perto da praia, em 1950. Foi quando ela resolveu fazer a brincadeira de sua infância, a ciranda, para divertir as crianças do local, filhos de pescadores, que eram proibidos de dançar côco com os adultos na época.
"Eu via que eles queriam muito brincar então fiz a primeira ciranda na praia. Era uma festa", recordou a cirandeira, em entrevista ao JC em 2013. Eles brincavam ouvindo uma letra que dizia "Eu cheguei na praia, avistei a arei / A maré tá cheia e eu não vou passar". Essa foi rima que Duda escreveu ao ver pela primeira vez o mar.
Foi sendo dona do Bar Cobiçado, primeiro da beira-mar do Janga, que ela popularizou o ritmo a partir dos anos 1960, com rodas que, inicialmente, reuniam as famílias de pescadores locais. Nessa época, as cirandas ocorriam mais nas noites do Dia de Reis, do Sábado de Aleluia e de 7 de setembro.
Com o tempo, a energia das rodas de Duda espalhou-se boca a boca, fazendo os eventos alcançarem o sucesso alçando o espaço como ponto turístico da cidade, recebendo visitantes de diferentes regiões do Brasil. "Era tanta gente que vinha… Do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro. Todo mundo dava a mão um para o outro. Era rico, era pobre, era preto, era branco", recordou a artista em entrevista ao recente documentário "Dona Duda da Ciranda".
Em 1970, auge da carreira, foi convidada pelo presidente Emílio Garrastazu Médici para se apresentar na Copa do Mundo mas não aceitou o convite. "Sempre fui uma pessoa muito apegada a minha família a aos meus afazeres. Não conseguia ficar longe", disse. Nesse mesmo ano, parou de cantar devido a um problema na tireoide, mas não deixou de escrever para outros intérpretes.
Dona Duda ganhou muitos prêmios e medalhas. Quando foi homenageada pelo carnaval de Paulista, em 2013, foi anunciado pelo município o Museu da Dona Duda, que teria espaço no Forte de Pau Amarelo. Contudo, o projeto nunca avançou.
Documentário
Lançado pela Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), em 2021, o documentário "Dona Duda da Ciranda" resgatou histórias e reúne depoimentos sobre a importância dela para a cultura pernambucana, além de exibir apresentações musicais de Ed Carlos e as cirandeiras Dulce e Severina, filhas do Mestre Baracho. "Ela ficou muito feliz, até porque foi uma homenagem ainda em vida. Ela lutou muito para dar continuidade à ciranda até onde pôde. Era uma guerreira, realmente", comenta a filha Jaqueline de Souza Paz.
Autoridades da cultura lamentam
Em nota, o presidente da Fundaj, Antônio Campos, disse que teve "a honra de receber Dona Duda no gabinete, na Fundaj, para a entrega da placa". Na ocasião da entrega da placa comemorativa, no gabinete da presidência da Fundaj, Dona Duda falou sobre a emoção de ser reconhecida em vida. "Eu, que adoro falar, estou sem palavras para agradecer esse gesto", disse a cirandeira.
"Dona Duda era uma artista extraordinária e fez, junto com outras mestras e mestres, a ciranda ficar popular nas décadas de 1960 e 1970", declarou o secretário Estadual de Cultura, Gilberto Freyre Neto. Na próxima segunda-feira (11), inclusive, Duda participaria de uma programação da Secult dentro da 13ª edição da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, evento reconhecido como um dos mais importantes do País no universo literário.
O presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Marcelo Canuto, também lamentou a morte de Dona Duda. "Foi com o pioneirismo dela que a ciranda passou a ser reconhecida como manifestação cultural digna do título de Patrimônio Imaterial do Brasil", disse em nota.
Governador
"A Cultura de Pernambuco perdeu uma referência com a partida de Dona Duda, precursora da Ciranda no estado e que transformou o espaço que mantinha no bairro do Janga, em Paulista, numa referência em defesa de nossas tradições", comentou o governador Paulo Câmara em um comunicado.
"Um dos principais nomes da nossa arte popular, ela deixa um legado inestimável com mais de 200 músicas compostas. Em 2019, tive a honra de recebê-la na abertura da Fenearte, que prestou uma linda homenagem a ela e ao movimento. Meus sentimentos à família, seus amigos e admiradores."