Governo Federal não investe no Plano Nacional de Livro e da Leitura desde 2019
Iniciativas populares, organizadas em sua maioria pela sociedade civil, não estão recebendo investimentos federais do Plano Nacional de Livro e da Leitura
Os projetos de incentivo à leitura no Brasil são fundamentais contra a desinformação e o analfabetismo. Entretanto, essas ações que democratizam o ato de ler no País, organizadas em sua maioria pela sociedade civil, não estão recebendo investimentos federais do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). É o que constata a pesquisa O Brasil que lê, realizada numa parceria entre o Itaú Cultural e a PUC-Rio, aplicada em 2020. O estudo viabilizou um mapeamento de projetos de leitura da sociedade civil e de gestões públicas - foram 382 ações de 24 estados brasileiros. Dessas, apenas nove são de Pernambuco. Para analisar esse contexto, o estudo foi realizado de forma remota por causa da covid-19.
Um dos pontos ressaltados pelo projeto é a ausência de incentivo do governo federal via PNLL. O programa foi criado em 2006, mas, desde 2019, não destina subsídios para criar ou manter ações da popularização da literatura. As iniciativas, na maioria das vezes, articulam-se em grupos para sobreviver. Elas têm um papel essencial no atendimento de 220 mil leitores, entre mulheres, pessoas com deficiência, afrodescendentes, indígenas, refugiados, encarcerados e outros grupos. Em 39% das ações, foram mantidas com recursos próprios dos organizadores.
Quando se analisa outros cenários de recursos, apenas 31,94% vêm de instituições públicas, e 24,61% recebem aporte das privadas. "A grande maioria das outras contribuições, de onde eles vão buscar esses recursos, vêm de editais de incentivo à leitura ou de renda arrecadada por esses projetos e recursos pela própria comunidade. Há uma dificuldade com recursos financeiros, a gente sabe que projetos de leitura geralmente não enormes ou gigantescos. Eles são volumosos, porque são muitos, mas individualmente eles não têm uma repercussão para que uma grande empresa tenha um capital para investir nesses projetos de leitura, porque isso não traz mídia para mostrar", conta a pesquisadora Denise Ramalho.
"Esses projetos, que dependem deles mesmos para sobreviver, precisam de apoio de iniciativas públicas e de editais de programas de incentivo à literatura e à leitura. Uma coisa que a gente vê: no edital de incentivo à cultura, esses projetos de incentivo à leitura não são incluídos. É como se a leitura fosse outra coisa, não fizesse parte do universo cultural. É um grande desafio para esses projetos a questão da sustentabilidade econômica e financeira. É preciso trabalhar numa política nacional de incentivo à leitura", complementa Denise Ramalho sobre as questões financeiras dos projetos.
Em Pernambuco, apenas nove iniciativas foram mapeadas, ficando atrás de estados como a Bahia e o Maranhão, no Nordeste. A pesquisa O Brasil que lê mapeou as iniciativas pernambucanas Tertúlia Literária; Poesia de Botequim; Estudos Sobre Leitura e Literatura: Uma Proposta para a Formação de Educadores e Mediadores de Leitura 1ª Etapa; Biblioteca Comunitária Poço da Panela; Biblioteca Comunitária Educ Guri; Associação Cultural Esportiva Social Amigos; Biblioteca Popular do Coque; Seminário Biblioteca nas Escolas; Festa da Palavra!.
Manutenção de projetos
A falta de incentivo financeiro impactou também no estudo. Os pesquisadores relataram que apenas 382 dos 1 mil respondentes preencheram o questionário completo. Em contato por telefone, as organizações relataram que desistiram por falta de aporte e incentivo. "Muitos chegaram ao limite da resiliência, desanimados e sufocados pela contundência cruel de um governo que não apenas abandonou as políticas públicas de formação de leitores desde 2016, mas que deliberadamente as sufocava, as destruía desde janeiro de 2019", apontou José Castilho, professor, consultor na JC Castilho, instituição que colaborou na pesquisa.
Um dos pontos ressaltados é a presença dos professores no incentivo à leitura. A profissão é responsável por 60,21% das mediações. "Agora que estão mapeados, esses projetos serão registrados em Cartografias da Leitura, uma plataforma mantida pelo iiLer que pretende dar visibilidade a esse grande trabalho de tantos formadores. A partir daí, iniciaremos um movimento de colocar iniciativas semelhantes em contato, buscando fortalecer redes e parcerias, bem como oferecendo formação tanto para mediadores quanto para gestores de projetos”, conta Gilda Carvalho, diretora do iiLer/Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio.
Presença digital
Com a chegada da pandemia e o isolamento social, sondar sobre o aparato tecnológico foi essencial para entender como esses projetos funcionaram durante esse período. De acordo com o estudo, o Nordeste é a segunda região que possui o maior número de projetos de formação de leitores com computadores. Quase 80% deles tinham esse equipamento eletrônico. Quanto ao celular, é a região que possui mais projetos com o aparelho móvel, tendo 55%. Quando se compara com o Sul, por exemplo, apenas 36% possuem smartphones. Os bons índices dão continuidade a outro relatório do Itaú Cultural, o Retratos da Leitura no Brasil, em que apontava cinco capitais nordestinas entre as 10 que mais consomem a literatura.
Os estudos serão apresentados ao público, entre os dias 8 e 9 de março (terça-feira e quarta-feira), das 14h30 às 16h, no webnário Balanços e Perspectivas da Pesquisa O Brasil que Lê. A transmissão será feita pela página da instituição no YouTube (www.youtube.com/itaucultural).