Sobrinho resgata memórias e momentos íntimos com Jorge Amado em novo livro
O livro "Jorge Amado, meu tio" traz relação íntima com escritor baiano
Há memórias que são construídas pela história. Há também as memórias coletivas, que podem ser construídas pelas mídias e outras instituições. Mas a memória afetiva é feita pelas emoções de quem sente um acontecimento. E esses acontecimentos viram boas histórias quando eles pertencem a quem escreve. É dessa forma que o livro "Jorge Amado, meu tio" pode ser apresentado à primeira vista. Escrito pelo jornalista e escritor Roberto Amado, sobrinho de Jorge, ele reúne memórias, arquivos, pesquisas, artigos e outras formas de linguagens que mais couber em mais de 300 páginas. Os escritos reunidos foram lançados pela editora Ibrasa e detalham a intimidade do escritor baiano como nenhuma outra biografia seria capaz de detalhar.
São detalhes que podem ser lidos logo no primeiro capítulo do livro, quando Roberto conta como foi a visita do tio em seu apartamento, em São Paulo, para o lançamento do aclamado "Dona Flor e Seus Dois Maridos". Era 1966 e o sobrinho do escritor brasileiro mais conhecido internacionalmente, na época, teve a real dimensão do tamanho de Jorge Amado. "Para uma criança que nessa época tinha nove, dez anos, tio Jorge era o tio perfeito. Era divertido, engraçado, carinhoso e sempre inventava umas histórias que rapidamente viravam folclore familiar", detalha com forte precisão sobre os acontecimentos que rondavam aquela época.
- Jorge Amado e Drummond foram considerados para Nobel de 1967
- Joselia Aguiar lança biografia de Jorge Amado no Recife
- Joselia Aguiar revela muitas facetas de Jorge Amado em biografia
- Relação de Zélia Gattai e Jorge Amado é tema de exposição
- Dom Helder Camara, Jorge Amado, Castro Alves e mais brasileiros que mereciam o prêmio Nobel
Entretanto, o contato com a primeira leitura com o tio aconteceu pouco menos de dois anos depois, quando leu "Capitães de Areia". "Finalmente entendi" foi a primeira reação que Roberto teve ao codificar as escritas do tio, em um comentário com a sua mãe. Ainda não tinha 12 anos, mas passou a entender a magnitude de Jorge Amado. Aquela leitura parece ter sido um elo eterno, tendo em vista que Roberto Amado começou a escrever aos 18 anos, inclusive com a presença do tio. Foi apenas o ponto de partida para a trajetória do escritor-sobrinho com a literatura.
Tanto que, 55 anos depois, ele decidiu colocar essas memórias, acontecimentos, trocas, pesquisas e outras fontes sobre o tio no novo livro que apresenta. Roberto diz, em primeira via, que "Jorge Amado, meu tio" não é uma biografia. "Biografia é um trabalho muito técnico, porque procura se desenvolver uma linha de narrativa a partir de documentações, entrevistas de pessoas e cria ali uma linha de vida e cronológica. Temos bons biógrafos, inclusive tem algumas sobre o Jorge Amado que são bem técnicas", explica o escritor.
Ele relata que não pretendia fazer um trabalho do tipo, mesmo convivendo por 40 anos com o tio. "Eu não pensava em fazer nada sobre o Jorge Amado, apesar de ter convivido 40 anos com eles, ter tido conversas desde a infância. Eu comecei a publicar livros e ele passou a me chamar de confrade, por causa do contexto da profissão. Apesar disso, nunca pensei em explorar essa minha intimidade com ele, que construí durante 40 anos", diz Roberto, que passou a trabalhar sobre o assunto após o centenário de Jorge Amado, em 2012, enquanto ele era repórter do grupo Abril.
O convite para construir um livro sobre o tio surgiu em 2015, sob encomenda de um editor português, que havia pedido uma publicação de 20 capítulos, com 20 páginas cada. Roberto Amado não imaginava que tinha tanto material sobre Jorge, mas acabou fazendo descobertas inesperadas. Isso antes mesmo dele entrar no mestrado na Universidade de São Paulo (USP), que trabalhou na dissertação "Jorge Amado e o romance de 1930: protagonismo de uma nova voz emergente (1931-1934)", em 2021. No entanto, aquele livro não foi publicado e ficou guardado na gaveta durante cinco anos, dando origem à nova publicação lançada nesse final do ano.
Apesar da coincidência entre ter apresentado uma dissertação sobre o tio, Roberto Amado garante que a essência do livro guardado foi mantida, dando um ar de familiaridade sobre a escrita que está nele. "Eu já estou no doutorado sobre o romance de 30. Acredito que muito do que está escrito nesse livro não é fruto do que foi produzido academicamente. E acho que ele atinge um ponto que nenhuma biografia fez, que é detalhar suas fragilidades, fraquezas, suas qualidades e sua maneira de ser", aponta o escritor.
De certa forma, Roberto Amado tem uma escrita muito próxima do que ele via do seu tio. O livro traz reflexões, angústias, as ambiguidades entre os personagens que Jorge Amado foi. De deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) à sua relação enquanto escritor best seller - mas com uma reputação que, por vezes, não passava pela crítica.
Prêmios
Um dos escritores brasileiros mais vendidos e reconhecidos internacionalmente, Jorge Amado nunca conheceu um Nobel de Literatura - assim como nenhum brasileiro. Mas, em 1971, o escritor baiano chegou perto do principal reconhecimento da literatura mundial. É o que revela um documento da Academia Sueca, divulgado 50 anos depois, com os principais nomes indicados à premiação. Na ocasião, Amado perdeu o prêmio para o chileno Pablo Neruda.
Jorge foi indicado pelo professor de literatura francesa na universidade de Nancy, Laurent Versini, enquanto Neruda possuía três nomeações. Na época, o baiano tinha os grandes sucessos "Capitães da Areia", de 1937, "Gabriela, Cravo e Canela", de 1958, "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de 1966, e "Tenda dos Milagres", de 1969. Todavia, não foi suficiente para levar a maior honraria da literatura.
Com vários prêmios na carreira, incluindo o Camões e Jabuti, Jorge Amado não se envaidecia com tais honrarias, segundo o seu sobrinho. Entretanto, ele revela que o tio teria ficado feliz com o Nobel, já que é um reconhecimento que seria feito à cultura brasileira, que tanto o escritor prezava. "Com isso, valorizava nossa cultura e nosso idioma, porque o primeiro escritor consagrado em nossa língua foi o Saramago, muito recente. Jorge também queria valorizar o português, o mais bonito do mundo e o mais rico".