Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) divulgados nesta semana revelaram que, em 2022, as salas de exibição do país tiveram um aumento de 82% do público em relação ao ano anterior. O Cinema São Luiz, símbolo de resistência do cinema de rua no Centro do Recife, não pôde usufruir desse respiro: a sala está fechada desde o final de maio de 2022, tendo completado 70 anos em setembro.
O espaço ainda sofreu cortes em sua equipe na última semana: funcionários terceirizados foram demitidos, alguns com décadas de experiência na sala. Além disso, o cinema está sem um programador desde janeiro, visto que Luiz Joaquim, o último a exercer a função, foi exonerado pelo decreto da governadora Raquel Lyra (PSDB).
Não há previsão de reabertura por parte da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), que informou que o equipamento precisou ser interditado após chuvas ocorridas no Recife em fevereiro (leia nota na íntegra abaixo).
Por que o São Luiz fechou?
O Cinema São Luiz foi fechado para uma reforma realizada pela Secult-PE/Fundarpe ainda no final do governo de Paulo Câmara. Essa requalificação fazia parte de um plano maior, que destinou R$ 16,6 milhões para 10 equipamentos culturais.
A sala recebeu obras estruturas estimadas em R$ 1,3 milhão, com enfoque na modernização do sistema de climatização e na instalação elétrica. A previsão de reabertura seria para o final daquele ano, o que não ocorreu, visto que foram encontradas novas situações pela empresa responsável pela obra.
Em dezembro, o espaço chegou a operar abaixo de sua capacidade em duas sessões do Cine PE - Festival do Audiovisual - o evento também ocupou salas do Teatro do Parque e do Cinema do Porto. A nova previsão de reabertura teria ficado entre fevereiro e março, o que mudou durante o correr do ano.
De acordo com fontes em reserva, o espaço ainda está precisando de uma peça do projetor, ajustes finais das obras que foram feitas em 2022, a exemplo do próprio sistema do ar condicionado e das calhas no telhado. O cinema ainda teve um problema com infiltração recentemente.
Desafios de um antigo cinema fechado
O fechamento de um cinema antigo como o São Luiz impõe diversos problemas. O primeiro é de ordem estrutural: os seus equipamentos não podem ficar por muito tempo sem funcionar.
"O equipamento eletrônico ou digital 'enguiça' caso não funcione. O São Luiz, por ficar na frente do Rio Capibaribe, é muito sensível à maresia. Não adianta ligar o projetor uma vez por dia e deixar uma horinha. Ele precisa estar em funcionamento durante um dia ou uma noite, todos ou quase todos os dias", explica Luiz Joaquim, programador exonerado em janeiro.
Uma outra fonte ligada ao espaço explica que a maresia pode corroer placas e projetores, além do próprio sistema de ar condicionado. Ainda há possibilidade de oxidação de latão, portas, bancos e mofo na tela. "Por estar embaixo de um prédio antigo, o cinema também é impactado. Uma vez, estourou um cano do quinto andar e a água chegou até ele."
O segundo problema é o da formação de público. "O cinema brasileiro teve um crescimento de pessoas nas salas, então esse é um momento crucial para o São Luiz ficar aberto, já que as pessoas esquecem das coisas. Se a população esquecer, o esquecimento por parte de uma gestão também se torna fácil. No ano passado, tivemos algumas ações muito exitosas com filmes como 'A Felicidade das Pequenas Coisas', de Pawo Choyning Dorji, e 'Medida Provisória', de Lázaro Ramos. Esse último atraiu 10 mil espectadores, um número muito expressivo para um período pós-pandemia", diz Luiz Joaquim.
Demissão de funcionários
Os funcionários terceirizados demitidos pela nova gestão ocupavam funções como recepção, portaria, lanterninha, serviços gerais e bilheteria. Arthur Friedenreich, bilheteiro desde que o espaço se tornou público, no governo de Eduardo Campos (PSB), publicou um comovente vídeo após o seu desligamento.
Entre os demitidos também está João Bosco, que cuidou da eletricidade do espaço durante 38 anos. O profissional é um profundo conhecedor da estrutura do cinema, sempre colaborando nas reformas realizadas nos últimos anos.
Ainda existe a possibilidade de demissão de 50% dos seguranças do espaço - atualmente são quatro. "Isso é uma coisa irreal de se pensar, pois o cinema tem equipamentos caríssimos de projeção. Você deixar um espaço desse sem proteção no atual Centro do Recife não tem sentido, visto que já houve tentativa de arrombamento e de pichação", diz uma fonte em reserva.
"É uma gestão que não escuta, que não chama para saber. Estiveram lá na segunda-feira (20), mas tenho certeza que pela repercussão. Até isso, o espaço não havia recebido visita de secretário de cultura ou de presidente da Fundarpe".
Luiz Joaquim comenta que os funcionários do São Luiz são apaixonados pelo cinema. "A postura deles lá está para além da profissional. Eles não medem esforços para trabalhar, dão hora extra até de madrugada, pois existe um sentimento de prazer por trabalhar ali. Quem trabalha nessa vibração produz muito bem. O melhor recurso é o humano, o de pessoal e de equipe".
Carta de Kleber Mendonça Filho
A situação do Cinema São Luiz ganhou mais destaque nas redes sociais após uma carta divulgada pelo cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, diretor de filmes como "Aquarius" (2016) e "Bacurau" (2019) e que há anos realiza o festival Janela Internacional de Cinema no espaço.
O diretor criticou as demissões, incluindo a exoneração de Luiz Joaquim, a quem se referiu como "profissional de competência reconhecida nacionalmente". "Luiz Joaquim substituiu Geraldo Pinho, que fez um trabalho histórico no São Luiz ao longo da última década. Geraldo esteve à frente dessa equipe que está agora sendo desmontada", escreveu.
"Às vezes eu acho que o São Luiz, e o trabalho ali feito, impressionam tanto que muitos parecem achar que esse cinema é mágico, que vive de oxigênio e anda sozinho. O São Luiz é como uma pessoa idosa, que exige cuidados especiais, que precisa de dinheiro para sobreviver, que precisa de respeito e de amor."
"A escrita desta carta tem o objetivo de lhes perguntar o que exatamente está acontecendo com o Cinema São Luiz? Quais os planos? Qual a data de reabertura? Quais as ideias para a Cultura em Pernambuco nessa nova gestão?", finalizou.
O que diz o Governo de Pernambuco?
Em nota para a reportagem do JC, a Secult-PE/Fundarpe ressaltou que o Cinema São Luiz foi fechado pelo governo anterior para a "para a implantação de um novo sistema de refrigeração, correção de problemas de vazamento de cobertura e redimensionamento das suas instalações elétricas".
"Após chuvas torrenciais ocorridas no Recife no último mês de fevereiro, porém, o equipamento precisou ser totalmente interditado por medida de segurança", informa a nota.
"Na ocasião, houve vazamento generalizado no sistema de captação de chuva do telhado do equipamento cultural, acarretando um transbordamento de calhas e colapso no sistema de esgotamento de águas pluviais, com consequente comprometimento de pontos da fixação do forro em gesso ornamentado, que agravaram o risco de desprendimento de partes dessas peças".
A Fundarpe reforçou "que já está em elaboração um projeto de reestruturação que vai permitir, após processo licitatório para execução das obras, o redimensionamento das tubulações do sistema de esgotamento de águas pluviais (tubulações e calhas, rufos e cumeeiras) e reforço do sistema de fixação do forro em gesso. Apenas depois disso será possível reabrir o cinema".
Sobre as demissões, a Fundarpe afirmou reconhecer a "importância dos prestadores de serviços terceirizados para o equipamento". No entanto, informou que "justamente devido à necessidade de realização de obras estruturais no local e à inadequação do orçamento planejado pelo governo anterior, aqueles que desempenhavam funções inerentes à operação do cinema precisaram ser desligados".
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