Quem assistir ao programa "Carnaval das Drags", nova aposta da Prime Video no Brasil, mais atraído pela presença de Xuxa, talvez não conheça quem divide a apresentação com a 'Rainha': Ikaro Kadoshi. Quem for mais próximo do universo drag, no entanto, sabe que trata-se de uma das maiores referências em transformismo no país na atualidade.
Nome artístico de Tiago Liberato, de São José dos Campos (SP), Kadoshi começou sua carreira nos anos 2000, criando shows e personagens únicos. Com passagens por eventos de moda renomados, programas de TV e shows internacionais, ele tornou-se um dos apresentadores do "Drag Me As a Queen", do canal E! - primeira atração da TV brasileira a ter drags como apresentadoras.
Disponível no Prime Video desde o dia 14 de abril, o 'Caravana das Drags' é composto por desafios e performances em viagens pelo Brasil - no Nordeste, Recife (PE), Salvador (BA), Fortaleza (CE) e São Luís (MA) estiveram na rota. As participantes competem pelo título de "Drag Soberana" e um prêmio de R$ 150 mil.
"Mais do que mostrar a cultura drag, temos que repensar uma frase famosa: 'O Brazil com Z não conhece o Brasil com S'. Nós, enquanto povo, não conhecemos as culturas, os dialetos, os sotaques, as histórias e a formação do nosso próprio povo", disse Ikaro, em entrevista exclusiva ao JC nos bastidores das gravações no Recife, em maio de 2022.
Para o programa em Pernambuco, a drag vestia uma roupa inspirada no frevo - já o 'look' de Xuxa tinha referências ao maracatu. "Confesso que, antes desse programa, eu nunca havia vestido roupas que enaltecessem a cultura do meu país. Foi uma jornada de redescoberta do 'Brasil com S' da minha pessoa. Tem sido uma das jornadas mais bonitas que fiz na minha vida", continuou.
"Eu tive a honra de estar nesse programa e fazer essa redescoberta através dos olhos das drags. São artistas de fora do eixo Rio-São Paulo, coisa que muita gente está desacostumada. O conhecimento chegou não apenas indo para as cidades, mas através das próprias drags".
'Em 1964, já existiam drags no Brasil'
Toda a experiência na 'Caravana' fez Ikaro refletir sobre o já conhecido 'complexo de vira-lata' que transpassa diversos aspectos do entretenimento no país. Sobre a cultura drag especificamente, a forte popularidade de programas como 'RuPaul's Drag Race' colaboram para uma visão mais 'americanizada' da prática.
"Tudo que é de fora acaba sendo mais valorizado. Eu sempre falo que, enquanto drag queen, ouço muito as pessoas falarem de Stonewall. Mas esquecem que, em 1964, já existiam drags no Brasil durante a ditadura militar. Elas se colocaram para enfrentar a polícia, saindo montadas nas ruas, sendo presas por vadiagem. Tem o caso da Miss Biá, por exemplo, que era uma dentre tantas. Isso ocorreu cinco anos antes de Stonewall, mas as pessoas sempre usam esse episódio nos EUA para falar sobre a nossa própria história", diz.
"Precisamos ir atrás da nossa própria história da arte drag no Brasil. Ela é tão rica quanto a de fora e ainda tem muito a ser explorada por todos nós. Espero que esse programa traga um vislumbre de curiosidade para quem assiste, que estimule a ir buscar sobre a nossa vida. Não adianta saber para onde nós vamos, nós precisamos saber de onde viemos".
'Xuxa foi minha babá'
Ao expressar como se sente ao trabalhar com Xuxa, o artista não consegue fugir de uma resposta já esperada: "É um sonho de criança, como a maioria das pessoas esperam que seja".
Ikaro não cresceu em um ambiente familiar saudável. Durante sua infância, conviveu com agressões diárias do pai. Na tentativa de aliviar o cotidiano, a mãe do artista incentivava o filho a assistir ao "Xou da Xuxa" (1986-1992) para distraí-lo da violência doméstica.
"Xuxa tem um papel importante na minha vida infantil, não apenas pelo programa na TV, mas pelo poder emocional que ela teve na minha vida infantil e na formação do meu 'eu'. Vindo de uma família de mãe solo, que sofreu muita violência doméstica, assistir a Xuxa era um momento da minha vida em que não existia dor".
"Brinco que Xuxa foi a minha babá. Ela até ligou para minha mãe e falou: 'Eu ajudei você a criar o seu filho, né?'. É mágico poder estar ao lado dela para aprender. É sobre tudo o que ela fez, mas, principalmente, poder trocar sobre as lutas que precisamos ter hoje em dia. Os preconceitos que precisamos derrubar. Esse programa é um sinônimo de tudo isso."
"A Xuxa, antes de qualquer pessoa, já lutava para que todo mundo fosse aceito e respeitado como é. Mas, em nome de todas as drags, eu dou um 'muito obrigado' a todos o esforço, por tudo que ela enfrentou e recebeu de ódio e de críticas, por ser quem ela é e usar a sua voz para pessoas como eu."
O casting de Caravana das Drags é composto por Chandelly Kidman, DesiRée Beck, Enme, Frimes, Gaia do Brasil, Hellena Borgys, Morgante, Ravena Creole, Robytt Moon e Slovakia. O programa terá oito episódios de 45 minutos, além de um episódio especial com a reunião das participantes.
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