CINEMA

Luiz Joaquim volta ao Cinema da Fundação: 'Como uma pessoa resgatada num contexto de injustiças'

Jornalista e professor da UNIAESO assume a coordenação do espaço que ajudou a construir ao lado de Kleber Mendonça nos anos 2000: 'Montamos uma programação para fazer o espectador pensar'

Emannuel Bento
Cadastrado por
Emannuel Bento
Publicado em 11/05/2023 às 18:35 | Atualizado em 11/05/2023 às 21:45
OSMÁRIO MARQUES/DIVULGAÇÃO
Luiz Joaquim é jornalista, escritor, crítico de cinema e professor universitário - FOTO: OSMÁRIO MARQUES/DIVULGAÇÃO

O jornalista, professor e crítico de cinema Luiz Joaquim será o novo coordenador do Cinema da Fundação, que atualmente mantém três salas no Recife - no campus do Derby; no Museu Homem do Nordeste, em Casa Forte; e no Porto Digital, no Bairro do Recife. A cerimônia de posse ocorreu na última quarta-feira (10). A nomeação, a convite da presidente Márcia Ângela Aguiar, trata-se de um retorno à Fundação Joaquim Nabuco.

Ao lado de Kleber Mendonça Filho, Luiz Joaquim foi responsável pela construção da identidade desse braço audiovisual da Fundaj, com programações que ajudaram na formação de novos públicos, cinéfilos e cineastas ao longo das duas últimas décadas.

ANDRÉ NERY/ACERVO JC IMAGEM
Sala do Cinema do Museu, da Fundação Joaquim Nabuco - ANDRÉ NERY/ACERVO JC IMAGEM
ANDRÉ NERY/ACERVO JC IMAGEM
Sala do Cinema do Museu, da Fundação Joaquim Nabuco - ANDRÉ NERY/ACERVO JC IMAGEM

Luiz Joaquim ingressou no Cinema da Fundação em 1998 como estagiário, retornando em 2001 como servidor. Ao lado de Kleber, exerceu atividades de coordenação administrativa e curadoria. Em 2007, as suas funções passaram a ser distintas em formalidade (Kleber como "coordenador" e Luiz como "chefe da divisão de cinema"), embora as atuações continuassem as mesmas na prática.

Em 2016, no governo de Michel Temer, o diretor de "Aquarius" e "Bacurau" decidiu entregar o cargo. Joaquim, então, foi convidado para assumir a função de coordenador. Duas semanas depois, esse cargo foi entregue para Ana Farache a pedido do Ministério da Educação - do qual a instituição é vinculada.

'Estou muito reconfortado'

"Eu me senti desconfortável para continuar trabalhando na Fundaj, porque já estava lá há 17 anos e ajudei a construir o perfil, a personalidade, a cara do Cinema da Fundação junto com Kleber e toda uma equipe", diz Luiz Joaquim, em entrevista ao JC. "Eu me senti muito desprestigiado. Segui na instituição até janeiro de 2017, quando passei todas as orientações para a nova gestão e segui minha vida."

Na época, um abaixo assinado elaborado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) chegou a pedir que Joaquim permanecesse como coordenador, o que não ocorreu. Nesse meio tempo, o jornalista se tornou coordenador do bacharelado de Audiovisual da UNIAESO - Centro Universitário AESO-Barros Melo - atualmente, segue como professor. Também foi convidado para ser o coordenador de audiovisual da Fundação de Cultura do Recife, em 2021.

Após o falecimento de Geraldo Pinho, programador do Cinema São Luiz, Joaquim também passou a cuidar desse setor da icônica sala de cinema de rua, sendo exonerado logo no início do governo de Raquel Lyra (PSBD). Em recente entrevista ao JC, Joaquim listou os perigos do fechamento do equipamento, que segue sem data de reabertura pela Secult/Fundarpe. 

JAILTON JR./JC IMAGEM
Luiz Joaquim, ex-programador do Cinema São Luiz - JAILTON JR./JC IMAGEM
JAILTON JR.
Luiz Joaquim, ex-programador do Cinema São Luiz - JAILTON JR.

No retorno à Fundaj, ele se sente "como uma pessoa resgatada em um contexto de injustiças". "Me sinto bastante à vontade. Estou do lado de iguais, de pessoas interessadas na diversidade e na inclusão social. Estou muito reconfortado, como uma pessoa que é resgatada em um contexto de injustiças. Eu estava em discordância com o que iria ser feito, apesar de reconhecer que o segmento de inclusão das pessoas com deficiência se tornou mais presente na Fundação com o projeto Alumiar, que é interessante.”

O novo coordenador trabalhará ao lado de Ernesto Barros, que acumulava os cargos de coordenador e chefe de divisão de cinema desde a exoneração de Ana Farache, em 2022. "Ernesto continuará como chefe de divisão de cinema. Vamos ter liberdade para fazermos o que achamos importante”, ressalta.

Legado e futuro do Cinema da Fundação

"Eu diria que o Cinema da Fundação é um endereço em que o espectador pode ir não apenas para usufruir de um bom cinema, mas também para amadurecer enquanto um ser social, intelectualmente, filosoficamente e do ponto de vista psicológico. Tudo isso a partir de uma programação montada a partir do final dos anos 1990, orientada para fazer o espectador pensar e se divertir", diz Luiz.

"Queríamos que houvesse o mínimo de formação cinematográfica. A gente fica muito feliz quando lembramos que isso finalmente aconteceu. Nos anos 2000, cinéfilos começaram a frequentar o cinema, despertaram para o cinema e se tornaram cineastas. É a geração de Marcelo Pedroso, Gabriel Mascaro, Daniel Bandeira, Daniel Aragão e Marcelo Lordello. Acho que qualquer pessoa que for estudar cinema contemporâneo em Pernambuco vai conseguir associar a formação dessa galera com a existência do Cinema da Fundação”.

No momento, o coordenador não consegue dizer muito sobre quais novidades serão implantadas, mas acredita que já existam iniciativas em junho. “Estou chegando agora e foram muitas mudanças feitas nesses seis anos que eu estive fora. Eu preciso, antes de tudo, tomar pé dessa ordem organizacional, digamos assim, que se estabeleceu. A sala do Porto Digital está nesse pacote. Preciso saber o que pode e o que precisa, para daí pensar em projetos. Eu não quero fazer algo com tanta distância."

PORTO DIGITAL/FUNDAJ/DIVULGAÇÃO
Sala do Cinema do Porto/Fundaj, no Bairro do Recife - PORTO DIGITAL/FUNDAJ/DIVULGAÇÃO
PORTO DIGITAL/DIVULGAÇÃO
Espaços culturais reabrem, mas com restrições na capacidade - PORTO DIGITAL/DIVULGAÇÃO

Para além do próprio Cinema da Fundação, o jornalista demonstra esperança com o cenário audiovisual pela mudança no governo federal. “Desde que Michel Temer assumiu, vivemos um processo de desmantelamento da Agência Nacional do Cinema. Se a Ancine não funciona em sua potencialidade, todo o segmento audiovisual do país é afetado. Projetos começaram a ser travados, outros iniciados foram congelados por conta da burocracia e da perseguição política".

Luiz Joaquim cita o próprio Kleber Mendonça como uma figura emblemática do cenário de "perseguição" por conta de seu protesto na estreia de "Aquarius" no Festival de Cannes, na França, em 2016. O cineasta e parte do elenco seguravam placas sobre um “golpe de estado” no Brasil, em referência ao impeachment de Dilma Roussef (PT).

"Depois da manifestação em Cannes, ele foi perseguido por parte da imprensa, como um sujeito que estivesse exagerando a situação. Ele sofreu as consequências no Governo Temer. Seis anos depois, a história mostra que ele não estava exagerando".

Edição do Jornal

img-1 img-2

Confira a Edição completa do Jornal de hoje em apenas um clique

Últimas notícias