Marina Abramovic: Conheça a primeira obra ao ar livre da artista no Brasil, na Usina de Arte
'Generator', localizado no parque artístico-botânico da Zona da Mata de Pernambuco, busca uma reconexão do público com a natureza e a consciência humana: 'Perdemos nosso centro espiritual', diz artista
Uma das artistas performáticas mais conhecidas do mundo, Marina Abramovic inaugura a sua primeira obra em espaço aberto ao público no Brasil neste sábado (3), no parque artístico-botânico Usina de Arte, localizado em um distrito de Água Preta, na Zona da Mata de Pernambuco.
Intitulada "Generator" ("Gerador", em inglês), a obra é um site specif - arte contemporânea pensada de acordo com o ambiente e espaço determinado - que busca uma reconexão do público com a natureza e a consciência humana.
Trata-se de muro com 25 metros de comprimento, 3 de altura e 2,5m de largura, no qual no qual estão aplicados diversas pedras de quartzo rosa vindas de Minas Gerais. A proposta é que o visitante encoste a cabeça, o coração e estômago nas pedras - conhecidas por transmitirem calma e clareza.
São 12 conjuntos com três "almofadas" de quartzo. Assim, "Generator" dá continuidade às reflexões da artista sobre como as expressões materiais da natureza podem ser instrumentos de cura humana, em especial, a partir de suas pesquisas com pedras e cristais brasileiros, executadas desde os anos 1980.
Interação
Os 12 agrupamentos de quartzos ao longo do muro permitem que visitantes das mais variadas alturas possam interagir com a obra, explorando a forma como esses materiais se conectam com o corpo.
"Neste momento de turbulência da história humana, vivemos uma época de guerras, violência, pobreza e aquecimento do nosso planeta. O rápido desenvolvimento técnico afastou-nos da natureza e perdemos a capacidade de usar a intuição, a telepatia e de lembrar os nossos sonhos. Perdemos nosso centro espiritual", explica Marina Abramovic, em comunicado enviado à imprensa.
"A função do Gerador não é apenas uma escultura. Destina-se à interação pública com os cristais e a sua energia, na esperança de restaurar a nossa capacidade de nos conectarmos com a natureza através da quietude e da presença no aqui e agora".
Também traz um conceito chamado por ela de "objetos transitórios", que estimulam o público a se tornar parte ativa do trabalho. "Todos os objetos transitórios têm uma coisa em comum: não existem por si próprios; o público deve interagir com eles. Alguns objetos existem para esvaziar o espectador, alguns para dar energia e alguns para possibilitar a partida mental", finaliza a artista que tem estimulado essas trocas em trabalhos como "White Dragon", "Red Dragon", "Black Dragon" e "Chair for Departure with Crystal Points".
Peregrinação
A obra também tem relação com a experiência vivida pela artista em uma performance na Muralha da China. Em 1988, para marcar um "rito" no final do relacionamento com o artista Ulay, cada um partiu de uma extremidade da Muralha, até o encontro em um determinado ponto. Esse processo foi registrado no documentário "The Great Wall: Lovers at the Brink".
Na Usina de Arte, a obra fará que o visitante percorra um caminho até chegar a esse muro, proporcionando uma experiência de peregrinação.
Em 2012, Marina também percorreu mais de 6 mil km de solo brasileiro em busca de um entendimento de cura presente no "Generator".
Na jornada, pesquisou espaços e pessoas místicas que representam os diversos tipos de manifestação de poder espiritual na cultura do País, cujo resultado é apresentado no documentário “Espaço Além - Marina Abramovic e o Brasil”, lançado em 2016, disponível na Amazon Prime.
Relação com a Usina de Arte
Marina Abramovic realizou um processo de residência artística remota na Usina de Arte para idealizar a obra. Independente de ser uma artista internacional, houve da criadora uma dedicação de tempo e energia para entender quem somos, quem é a Usina de Arte e de como contribuir com a trajetória do parque", analisa o curador da Usina de Arte, Marc Pottier.
"Ela apresentou quatro projetos e, ao final, a obra em questão foi definida. Uma obra que conversa com a memória do lugar, com a história e com o Nordeste do Brasil. Esse posicionamento faz parte do nosso desejo de colecionar artes que continuem com uma narrativa que fale sobre a região da Usina e da relação do museu com a arte".
Para a presidente da Usina de Arte, Bruna Pessôa de Queiroz, a chegada de "Generator" leva ao equipamento reflexões sobre o feminino e um passo de internacionalização do acervo.
"Poder ter em nosso parque uma obra da Marina Abramovi, cuja contribuição para o mundo das artes é imensurável, é evidenciar o protagonismo da mulher, seus desafios e sensibilidades para lidar com o mundo, nos aproximando de importantes debates sociais a partir dessa lente. A obra também não deixa de ser uma homenagem à história desse lugar ao longo dos anos e da energia e trocas que ele é capaz de oferecer, uma espécie de memorial para que nunca esqueçamos que transformar é possível", diz.
Em uma área de 40 hectares, o parque artístico-botânico conta com outras 40 obras e instalações como Regina Silveira, Alfredo Jaar, Geórgia Kyriakakis, Saint Clair Cemin, José Spaniol, Claudia Jaguaribe, Matheus Rocha Pitta, Juliana Notari, José Rufino, Flávio Cerqueira, Hugo França, Paulo Bruscky e mais.