Morro da Conceição é celeiro cultural brasileiro; conheça artistas e manifestações
Região surpreende pela diversidade de manifestações, do popular ao contemporâneo, mostrando como religiosidade e expressões artísticas coexistem
O Morro da Conceição é celeiro religioso, de movimentos sociais e também da cultura do Recife. Essas três características, na verdade, são quase indissociáveis na humanidade.
Ao olhar para a cultura do Morro através de uma perspectiva panorâmica, surpreende a diversidade e a quantidade de expressões.
Lá, é possível encontrar grupos de maracatu de baque virado e baque solto, troças carnavalescas, orquestras, passistas de frevo, ursos, samba reggae, coco, entre outras manifestações.
Ainda existe a capoeira difundida pelo Mestre Pirajá, que foi o mais antigo de Pernambuco; as quadrilhas, como a Junina Tradição; e claro, o samba, bem representado pela Escola de Samba Galeria do Ritmo.
Essas manifestações convivem com formas mais contemporâneas, como a presença marcante de DJs, rádios comunitárias e casas de show que, desde os anos 1990, impulsionaram a difusão do brega e de fenômenos como João do Morro, com sua swingueira.
Histórico
As raízes culturais do Morro da Conceição remontam às práticas das religiões de matriz africana, cultivadas pelos moradores.
Na metade do século 20, o Movimento de Cultura Popular (MCP) contribuiu bastante para o desenvolvimento social e cultural da área, inclusive com apoio da própria Igreja Católica, até ser abruptamente encerrado pelo golpe militar de 1964.
Ainda sobre o papel da Igreja, é difícil não destacar a importância do Padre Reginaldo, que assumiu a paróquia em 1978. Ele realizou trabalhos educativos com grupos, valorizando a expressão artística e dando origem a iniciativas como o grupo de teatro Resisteatro.
É possível dizer que Reginaldo estimulou o sincretismo hoje presente no Morro (e na sua Festa), pois esteve presente em celebrações de terreiros e atraiu esses grupos para as festividades da igreja.
Social
O cantor e instrumentista Lucas dos Prazeres é fruto dessa efervescência cultural. "Minha família chegou no Morro há mais de 100 anos. A minha avó foi benzedeira. O Morro tem uma grande tradição de benzedeiras e rezadeiras, cultura que percorre várias religiões", diz.
Ele conta que sua família, preocupada com as crianças que ficavam sozinhas enquanto os pais trabalhavam, fundou na década de 1980 o Centro de Formação Maria da Conceição. O espaço criou o primeiro método de ensino afrocentrado de Pernambuco, em 1984, e está reinaugurando a sua sede 40 anos depois.
A partir do grupo de música desse Centro, surgiu o grupo Raízes de Quilombo, um bloco afro que contribuiu para construir identidades afrodescendentes e funciona como movimento de resistência da cultura negra. “Saímos nos carnavais e fazemos atividades o ano inteiro, como palestras e cursos profissionalizantes”, diz Lucas.
"Além de ter bastante coisa no Morro, é tudo muito misturado. Isso faz do local um celeiro cultural brasileiro. Ele deveria ser reconhecido pelo governo federal por isso”, diz o músico.
Samba reggae
Outra iniciativa que explora a cultura como forma de resistência e formação é o Bloco Obirin, um projeto de samba reggae formado por mulheres - de todas as raças e identidades de gênero.
"Moro no Morro, esse celeiro de cultura, religiosidade e política, há mais de 30 anos. A partir disso comecei a trabalhar a proposta do Obirin enquanto uma construção de acolhimento, um trabalho social e político", diz a musicista e produtora Ana Paula Guedes.
A sede do bloco fica na casa da fundadora, na Rua da Mocidade. "Nascemos em 2019 e desde então criamos laços com a Igreja, o Conselho de Moradores e a própria vizinhança. Também realizamos oficinas de música, dança e expressões corporais para autoconhecimento"
Dinamismo para um futuro vivo
A artista, que também responsável pelo projeto beneficente Meu Morro Dá Samba, ressalta que também existem dificuldades, apesar de toda essa historicidade e força.
"As gestões da Igreja mudam a cada quatro anos e considero que a última gestão era mais aberta, livre e democrática. Os padres iam às quadras. Agora, existem mais restrições para os horários da praça, por exemplo", diz.
"Temos vários cantores e músicos do samba, que vinham a custo zero fortalecer esse cenário sambista, que é gerador de renda e economia criativa. Independentemente da religião, é necessário chegar junto."
Para Ana Paula, apenas a renovação constante manterá a cultura do Morro pulsando. "Acho que a chegada do Obirin, por exemplo, deu uma força. É preciso existir esse dinamismo para quem trabalha com a cultura, para dialogar e manter vivos esse trabalho."
Entre batuques e o silêncio das rezas, o Morro seguirá sendo esse coração pulsante da cultura recifense, guardando em suas raízes a promessa de um futuro tão rico e diverso quanto sua história.