Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu celebra 200 anos com brilho próprio, mas sem apoio e destaque necessários
Segundo maracatu de baque virado mais antigo do Brasil comemora bicentenário com festival cultural, mas sem apoio da Prefeitura de Igarassu
Quando o Maracatu Nação Estrela Brilhante de Igarassu surgiu no Litoral Norte de Pernambuco, o Brasil dava seus primeiros passos como Império, recém-saído da condição de colônia. No Recife, as elites conspiravam um movimento republicano: a Confederação do Equador.
A data oficial de fundação, atualmente reconhecida, é 8 de dezembro de 1824, embora registros da história oral sugiram origens ainda mais remotas, possivelmente desde 1730.
Seja qual for o marco exato, hoje o Estrela Brilhante é o segundo maracatu de baque virado mais antigo do Brasil, ficando atrás apenas do Nação Elefante, datado de 1800, no Recife.
Festival
Nesta sexta-feira (6) e sábado (7), a partir das 19h, esse legado será celebrado com um festival cultural em frente à sede do grupo, localizada no Sítio Histórico de Igarassu (Rua Dr. Barbosa Lima, 274).
O evento terá como destaque, na sexta, apresentações de grupos de coco, além Lia de Itamaracá, e no sábado, de diversas nações de maracatu – a lista completa encontra-se no final da matéria.
Origens
De acordo com a 2ª edição da revista Patrimônios Vivos de Pernambuco, publicada pela Fundarpe, o Maracatu Nação Estrela Brilhante teve suas raízes em Vila Velha, na Ilha de Itamaracá, que à época fazia parte de Igarassu.
Posteriormente, migrou para o Alto do Rosário, em Igarassu. Lá, por quase dois séculos, mantém viva a tradição de seu canto, dança e batuques.
Gilmar de Santana Batista, atual presidente do Estrela Brilhante, conta história com a simplicidade de quem revisita a própria árvore genealógica. "O que contamos para os mais jovens é o que ouvi da minha avó, Dona Olga, e da minha bisavó, Dona Mariú. É um legado que os meus bisavôs já brincavam", relata Gilmar, ao JC.
"No início, o grupo era composto só por homens, depois as mulheres se integraram. Até hoje mantenho minha família unida, respeitando e preservando a tradição como ela sempre foi."
Matriarcas
As matriarcas do grupo, citadas por Gilmar, são figuras centrais na memória do Estrela Brilhante. Sua avó, Olga de Santana Batista, faleceu em 2013, aos 76 anos; sua bisavó, Dona Mariú, viveu até os impressionantes 105 anos, falecendo em 2003.
Dona Mariú ingressou no maracatu aos 12 anos, em 1910, e logo se encantou pela calunga de madeira da nação, a Dona Emília. As toadas do grupo eternizam a devoção: "Dona Emília é quem manda".
Na tradição do candomblé, a calunga simboliza proteção, invocando ancestrais e orixás. "Dona Emília significa tudo para nós. É nossa matriarca, nossa protetora. Depois que ela ficou conhecida no mundo, muita coisa melhorou para o grupo", afirma Gilmar.
O mestre compartilha que o grupo já viajou países como Grécia, Suécia, Itália, França, Alemanha, entre outros, para realizar oficinas a convite de entidades privadas.
Descaso
Apesar do reconhecimento fora do Brasil, o mesmo não se reflete em sua terra natal. Segundo Gilmar, a Prefeitura de Igarassu não vem apoiando o grupo, nem mesmo para o evento de 200 anos.
"Não entraram em contato. Parece que o maracatu não significa nada para eles", lamenta o mestre, que também critica o fim das subvenções culturais na cidade.
Por outro lado, o Estrela Brilhante recebe apoio financeiro da Prefeitura do Recife para apresentações no Carnaval, especialmente na Noite dos Tambores Silenciosos e polos descentralizados, através das subvenções carnavalescas.
O grupo também é um Patrimônio Vivo de Pernambuco pelo Governo do Estado, recebendo uma mensalidade vitalícia - que atualmente é de R$ 4.083,10 para pessoas jurídicas.
Parece que o maracatu não significa nada para eles (Prefeitura de Igarassu)Mestre Gilmar
No Carnaval deste ano, contudo, a marca de 200 anos teve uma comemoração tímida por parte do Governo, que incluiu o Estrela Brilhante num projeto chamado Cortejo Brincantes de Pernambuco. Os homenageados da festa foram figuras mais "midiáticas".
200 anos
Especificamente sobre o evento de 200 anos, Gilmar afirma que recebeu apoio financeiro da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), mas não o suficiente para a relevância da comemoração.
"Uma festa de 200 anos não é uma festinha, não são 20 anos ou 2 anos. A gente queria muito mais. O que me entristece é a impossibilidade de chamar mais grupos por não ter o valor suficiente", conta.
"O Governo do Estado poderia ao menos contratar os grupos que pedimos, mas contratou dois. Alguns grupos virão, mas sem cachê. Vamos repassar o valor recebido para dividir para muita gente."
Mesmo diante das dificuldades, o mestre celebra mudanças significativas na aceitação da cultura popular. "Hoje, vemos mais jovens e crianças interessadas. No passado, era muito mais difícil, porque o preconceito era grande. Diziam que maracatu era coisa de preto, de macumbeiro. Agora, vemos gente de todas as raças e classes brincando."
O Estrela Brilhante seguirá como um testemunho vivo da força da cultura popular e negra, que atravessa gerações com seus tambores, cantos e histórias. "Vou sair desse mundo e deixar um legado que meus filhos, Wilka e Wandersson, vão continuar", finaliza o mestre.
Confira a programação do festival de 200 anos do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu:
Sexta-feira (6)
Coco das Minas
Pinga Coco
Coco Juremado
Coco de Dona Olga
Coco Besouro Mangangá
Lia de Itamaracá
Sábado (7)
Maracatus Nação:
Raízes de Pai Adão
Xangô Alafim
Aurora Africana
Encanto do Dendê
Sol Brilhante de Olinda
Estrela Brilhante do Recife
Parece que o maracatu não significa nada para eles (Prefeitura de Igarassu)
Mestre Gilmar