CINEMA

Filme "Seguindo Todos os Protocolos" espelha a gente na tela num registro de um tempo incrivelmente real

Longa pernambucano estreia no Cinema São Luiz, seguido de debate, na programação de reabertura do equipamento cultural, após quase dois anos fechado devido à pandemia

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Romero Rafael

Publicado em 25/02/2022 às 11:18 | Atualizado em 29/06/2022 às 20:17
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Um lance no Carnaval 2020 que virou romance a distância. As relações (ainda mais as sexuais) virtualizadas. Uma vida que já não era mais possível senão revisitada pela memória guardada no rolo de câmera. A cidade vista quase só da janela. As ruas esvaziadas. Uma ou duas pessoas num apartamento, seguindo protocolos, certos protocolos, alguns protocolos — como transar intermediados por uma cortina de plástico.

As imagens e as interações em Seguindo Todos os Protocolos, primeiro longa-metragem do ator e diretor pernambucano Fábio Leal, são um registro ficcional-documental do que ocorreu a muitos de nós — ainda mais os sozinhos, solteiros, isolados — na pandemia. "Me utilizo da ficção como certa proteção da realidade, e também como forma de poder falar da realidade", diz Fábio que toca na real de um tempo que já parece muito distante, mas que — não nos enganemos — ainda o arrastamos.

Seguindo Todos os Protocolos será exibido nesta sexta-feira (25), às 19h30, com debate na sequência, na programação de reabertura do Cinema São Luiz, após participar da Mostra de Cinema de Tiradentes, onde foi premiado. Além do enredo, sua própria realização é um registro da pandemia: foi gravado em quatro diárias apenas, entre julho e setembro de 2021, com verba de um curta-metragem, ainda assim graças à Lei Aldir Blanc, e quase inteiramente no apartamento do realizador, com no máximo seis pessoas no set.

Também protagonista de seu filme, Fábio Leal explica que o seu personagem, Chico, é um amalgamado de situações — umas vividas por ele mesmo, outras por amigos e algumas que leu. Nos encontros com outros caras a que se submete, sobressaem tanto o medo de se contaminar com o vírus quanto divergências e interrogações sobre como se proteger.

"Como a gente não teve uma liderança nacional [na pandemia], cada um acabou fazendo os seus próprios protocolos. Os protocolos que cada um de nós seguia eram um pouco personalizados; iam até onde se achava que era o certo", comenta Fábio, que lembra de quando o tipo de máscara PFF2 era recomendado para apenas profissionais de saúde.

"Ainda hoje, a maioria das pessoas não usa PFF2, muita gente usa máscara de tricô, ou não usa ao ar livre; usa no queixo ou com o nariz pra fora. O álcool em gel ficou mais como símbolo de combate à covid-19 do que a máscara", relata, citando ainda as falas do governo contra o uso da máscara e o estímulo ao kit covid, comprovadamente ineficaz.

"Tudo isso gerou também uma ansiedade muito grande. O que eu faço para me proteger?"

Numa videochamada, Chico, que estava trancado em casa e 'cancelando' quem continuava a vida normalmente, se atrita com o namorado, que seguia saindo e encontrando pessoas. "É sobre a pandemia que ele acha que deveria ser vivida. Isso era muito importante de falar: como a gente viveu pandemias diferentes e ficou intolerante com os modos de viver diferentes dos nossos", reflete.

"De certa forma, isso acirrou algo que já estava bastante forte na sociedade: as bolhas, os nichos, e como a gente está despreparado para o diálogo. Como a pandemia colocou tudo mediado por tela e o distanciamento foi 'despessoalizando', a gente foi se distanciando de formas de encarar o diferente, sendo menos maleável."

Racismo e colorismo

Fora as questões que nos riscaram e continuam como marcas do isolamento, distanciamento e temor pela vida, Seguindo Todos os Protocolos também pincela temas relacionados ao racismo e que sobressaíram junto com o início da crise de saúde, tanto no enredo do "Big Brother Brasil 20" quanto no movimento "Black Lives Matter" e na repercussão da morte de Miguel no Recife.

"Os únicos assuntos que quebravam a bolha da pandemia, pelo menos na minha timeline, eram sobre colorismo e questões identitárias relacionadas à negritude", conta ele, que diante dessas questões posicionou o seu personagem, um homem branco cisgênero de classe média e politicamente de esquerda.

Não é que esses temas são "tratados", se é que o cinema pode fazer isso, mas são lançados e incomodam de relance — não sem deixá-los ruminando na nossa cabeça. Num dos momentos, assistindo a um vídeo sobre colorismo, o personagem consome o assunto com o dedo nervoso e a atenção aflitiva como quando saímos pulando os Stories do Instagram.

Sobre essas questões, Fábio Leal reflete que "é difícil fazer penetrar no outro o que se está dizendo" e que elas "não são assimiladas 100% e no instante".

"Existe uma certa performance do branco social. Desde a última onda do feminismo, por exemplo, é muito fácil para o homem hétero cis aprender palavras e reproduzi-las, como 'gaslighting', e ele vira logo um aliado. Mas, há um tempo para assimilação de ideias, para o entendimento e cessão de espaço. Não é tão fácil, não é 'há uma reparação histórica a ser feita e eu vou reparar agora mesmo'."

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