Edição especial do Janela é um grande "esquenta" para quando novembro chegar; confira programação comentada
Festival inicia nesta terça-feira (12) com uma conversa com a curadoria e segue com exibições de filmes, até o dia 24, no Cinema da Fundação e no Cineteatro do Parque
Como não fazia desde 2019, o Janela Internacional de Cinema do Recife convida a gente a ir a uma sala de exibição, numa edição especial que promoverá sessões no Cinema da Fundação, no Derby, e no Cineteatro do Parque, na Boa Vista, a partir desta quarta-feira (13), seguindo até o dia 24. A programação do festival, no entanto, começa já nesta terça-feira (12), às 19h, com um diálogo dos curadores com o público, mediado pelo site www.janeladecinema.com.br.
A abertura online mais parece, simbolicamente, um rito de transição (e convergência) do período restrito às telas para o de agora, de encontros reais nas salas de cinema. Esta edição do Janela é, de fato, de transição - ou uma antessala, um aperitivo, um "esquenta" - para a grande retomada, em novembro, quando o festival realizará sua 14ª edição, com mostras competitivas de filmes. A convocatória, inclusive, será lançada nesta terça (12).
"Enquanto investe nesse retorno, com o lançamento de convocatória, a gente montou essa programação numa edição especial calcada numa maneira de experimentar, de novo, o espaço público e de lançar olhar sobre filmes", explica Luís Fernando Moura, coordenador de programação do Janela e também curador da edição, junto com Lorenna Rocha e Rita Vênus.
Diante da situação epidemiológica da covid-19 em 2020, quando as incertezas beiravam tudo, o festival não fez edição, tendo voltado em 2021, mas em formato online e experimental, diferente daquele com que se consolidou. A edição especial de agora, de certa forma, amalgama os dois formatos.
"A gente entendeu que essa retomada do Janela ainda precisava ser feita de outra forma; e talvez a gente tenha sido mobilizado pelo desejo de experimentar ainda mais, nesse retorno às salas de cinema, depois de várias dificuldades, para perceber, mais uma vez, o que significa um festival ocupar o espaço público", conta Luís Fernando.
Programação aguça outras maneiras de olhar
A primeira obra a ser exibida, em sessão nesta quarta-feira (13), às 19h15, no Cinema da Fundação, é Ouvem-se Estrelas nos Confins de Sonora, uma obra sonora, comissionada pelo Janela, de Anti Ribeiro — "artista que trabalha com imagem e com som, e que tem uma pesquisa específica sobre o som como criador de imagem", comenta o curador.
A noite que abrirá as exibições, aliás, deverá ser uma das mais concorridas, porque terá também a pré-estreia, em parceria com o serviço de streaming Mubi, de Crimes of the Future, do cineasta canadense David Cronenberg. O longa, exibido — e bastante repercutido — no Festival de Cannes, é uma história de ficção científica que segue o artista Saul Tenser (Viggo Mortensen), que, junto com sua parceira, Caprice (Leá Seydoux), mostra publicamente a metamorfose de seus órgãos em uma performances de vanguarda.
"David Cronenberg é um cineasta das lateralidades; constrói imagens de um pós-humano, ou de um mundo habitado por monstros e por outras construções do corpo."
Lateralidade é uma palavra que explica o percurso do olhar da curadoria nesta edição especial do Janela. Luís Fernando Moura se apropriou dela após ouvir a artista Lia Letícia se referir às figurinhas de WhatsApp, que são objeto de sua pesquisa, como imagens laterais nas narrativas — "coisas que não estão exatamente naquilo que a gente entende como objeto do cinema". Mas que podem estar. Tanto que Lia ministrará uma das Aulas do Janela, atividade que o festival inaugurou no formato online e mantém agora no presencial.
"A gente pode perceber a curadoria em torno de uma lateralidade como princípio geral. Sinto que toda a programação dessa edição especial do Janela é montada nessa chave de perceber outras maneiras de olhar, ou como olhar de outra posição para as coisas que estão entre nós."
Janela lateral
Uma das duas mostras inéditas que formam a programação desta edição especial do Janela, "Ladrões de Cinema", tem seu nome roubado do filme de Fernando Coni Campos, de 1977, e propõe olhar para as obras a partir de outras posição — nas suas lateralidades. São cinco títulos — além de Ladrões de Cinema, serão exibidos Ilha (Ary Rosa e Glenda Nicácio, 2018); Orfeu Negro (Marcel Camus, 1959, na cópia restaurada e inaugurada no Festival de Cannes do ano passado); Rio, Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957) e A Rainha Diaba (Antonio Carlos Fontoura, 1974).
"Pensando na lateralidade, esses filmes instigam a gente a perceber que a história do cinema brasileiro poderia ser contada a partir de outro lugar. A história é, normalmente, contada a partir da autoria dos diretores — no entanto, a gente tem uma série de artistas no Brasil que marcam a imaginação cinematográfica brasileira, marcam os filmes. Muitas vezes, artistas negros e negras — e esse é o objeto da mostra: contar uma história do cinema brasileiro a partir de presenças incontornáveis como Grande Otelo, Milton Gonçalves, Antônio Pitanga, Léa Garcia, que inundam esses filmes. Parecem ser coautores ou autores, num sentido bastante forte da ideia de roubo", reflete Luís Fernando Moura.
Estrelado pelo ator Milton Gonçalves, que faleceu no dia 30 de maio - num papel inspirado em Madame Satã e que lhe rendeu prêmios pela construção da personagem ao mesmo tempo farsesca, engraçada e trágica -, A Rainha Diaba ganhou cópia nova, em DCP 4K, digitalizada por uma iniciativa do Janela junto com a organização Cinelimite e o laboratório Link Digital/Mapa Filmes.
Dirigida por Antonio Carlos Fontoura, a obra tem sido redescoberta como pioneira na representação LGBT no cinema brasileiro. "É uma chance desse filme, após o Janela, poder circular em outros espaços", diz o curador, sobre a digitalização. Após a sessão, marcada para o dia 19, às 19h30, no Cineteatro do Parque, Fontoura vai participar de debate junto com a conservadora Débora Butruce, responsável pela digitalização de A Rainha Diaba.
A conservação de filmes, a propósito, é assunto de duas das cinco Aulas do Janela. Uma delas será ministrada por Fontoura e Butruce; na outra, William M. Plotnick e Laura Batitucci, da Cinelimite, vão falar sobre métodos de preservação e digitalização.
Antônio Pitanga também participará de uma das Aulas do Janela, mas remotamente, pela plataforma Indeterminações. Diferentemente das demais aulas, que serão presenciais, no Cinema da Fundação, com entradas distribuídas na bilheteria, uma hora antes.
Mais personagens inadequados
Numa segunda mostra, "Kelly Reichardt Integral", o Janela reúne a produção cinematográfica da cineasta estadunidense. Feita pela primeira vez no Brasil, é composta pelos sete longas-metragens já realizados por ela: Rio de Grama (1995); Antiga Alegria (2006); Wendy e Lucy (2008); O Atalho (2010); Movimentos Noturnos (2013); Certas Mulheres (2016) e First Cow: A Primeira Vaca da América (2019).
"Ela é uma cineasta que filma a ideia do forasteiro; é um cinema que vai redescobrir os Estados Unidos a partir de deslocamentos em 'road movie'. Personagens que são andarilhos e que buscam um destino, um sentido numa construção de si, em relação àquilo que se entende como nação, território. Então, ela recupera um pouco as marcas da colonização a partir de dramas íntimos, numa escrita de cinema que tem sido considerada bastante relevante na cinematografia independente americana, e também no cinema mundial", comenta Luís Fernando Moura.
Como pontes que vão se formando na programação, o filme Rio Doce, do diretor pernambucano Fellipe Fernandes, que fará sua estreia no Janela, também acompanha um personagem inadequado, em busca de seu pertencimento na família.
Rio Doce foi gravado em Olinda e já premiado no festival Olhar de Cinema, de Curitiba; na mostra Première Brasil Novos Rumos, do Festival do Rio, e no Festival de Cinema Latino-americano de Toulouse. É estrelado pelo rapper Okado do Canal, em seu primeiro trabalho como ator.
Da música emerge, ainda, o filme que fechará a programação, no dia 24: o documentário musical Entre Nós Talvez Estejam Multidões, realizado por Aiano Bemfica e o pernambucano Pedro Maia de Brito, gravado junto a um movimento de lutas em bairros, vilas e favelas de Belo Horizonte. Antes, o público verá o curta Olhos de Erê, de Luan Manzo, um menino que conduz a câmera apresentando o Terreiro Manzo (MG), quase como um guia, enquanto o público vai adentrando naquele espaço pela imagem.
"É uma edição, de fato, muito especial, que costura um olhar, um sentimento, e que cria uma expectativa para a continuidade do Janela, no final do ano, como a vitrine que ele é, do cinema independente contemporâneo, brasileiro e internacional."
Confira a programação completa da edição especial do Janela Internacional de Cinema do Recife
A venda de ingresso iniciará sempre uma hora antes da sessão. No Cinema da Fundação custa R$ 7 (preço único), às terças; R$ 14 (inteira) e R$ 7 (meia), da quarta-feira ao domingo, com acesso gratuito para professores às quartas. Já no Cineteatro do Parque, o bilhete custa R$ 10 (inteira) ou R$ 5 (meia).