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Leia na íntegra entrevista com Marisa Monte

Neste sábado (30) e também domingo (1º), ela se apresenta no Classic Hall, num reencontro com o público pernambucano

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Romero Rafael

Publicado em 29/04/2022 às 15:08 | Atualizado em 29/04/2022 às 16:19
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Marisa Monte está em turnê com "Portas", show derivado de seu álbum homônimo, lançado em julho do ano passado. Neste sábado (30) e também domingo (1º), ela se apresenta no Classic Hall, num reencontro com o público pernambucano. Confira entrevista feita por e-mail:

Marisa Monte, você retorna aos palcos em turnê solo após uma década da anterior e após uma fase duríssima da pandemia. Como é voltar depois de tanto tempo e nesse momento? E você acredita que a música ajuda a curar e restabelecer, diante de todas as perdas por que passamos?

Tem sido imensamente emocionante encontrar com tantos amigos, fãs e com o público para celebrar a vida através da música. Arte nos conecta com a criatividade, com o imaginário, a um plano existencial superiormente interessante. Uma porta poética que se abre para intuição, para a beleza, para as lembranças, para os afetos que nos transportam para outros lugares e tempos, e que nos dá suporte para suportar o insuportável. Depois de tanto tempo e de uma fase tão cheia de incertezas, nos shows que fiz até agora, encontrei relatos de pessoas saindo pela primeira vez de casa para um evento desde 2020. Isso acrescenta uma emoção diferente, repleta de saudade e alívio, cheia de alegria.

Sua voz tem atravessado décadas com um potencial de reunir públicos de diferentes esquinas e criar memórias românticas, com canções ora solares, ora dramáticas. O que faz permanecer o encanto da sua voz, do seu canto?

A vontade de me comunicar com as pessoas, de trocar com o mundo de forma poética, de honrar o dom de cantar, o amor pela música e a emoção de distribuir alegria e fazer muita gente feliz.

Este ano, você completa 35 de carreira e 55 de vida. A música guiou a sua vida até aqui?

A música sempre foi uma forma de me conectar com a vida e me deu propósito. Sempre me senti conectada a ela de uma forma transcendental desde pequena. Certamente, a música e a voz me deram um caminho, assim como os afetos, e as parcerias.

Quando "Portas" foi lançado, alguns comentários foram feitos nas redes sociais sobre não haver nele um engajamento político naquele momento de muito protesto à condução da covid-19 pelo governo federal. Por outro lado, Portas pode ser ouvido como um lembrete para a vida se reiniciando, ou um refúgio diante de tudo. Qual o significado desse disco?

Portas são elementos muito simbólicos que trazem vários significados. Passagem, transformação, escolha, opções, aberturas, fechamentos, mudanças, e essas portas podem ser externas ou internas. Eu compartilho todos os sentimentos de incertezas, angústias e medos desse momento trágico que estamos vivendo, mas através da arte quis oferecer uma resistência poética, criativa e amorosa. Isso é política civil, campo onde percebo os movimentos mais inspiradores.

Apesar de todas as dificuldades e da retração democrática, acredito que estamos no processo evolutivo civilizatório, e que se avaliarmos uma curva de tempo mais larga, de 50 ou 100 anos, certamente perceberemos os avanços no campo da ciência, do comportamento, dos direitos civis e das liberdades individuais e do avanço das questões de gênero e raciais. Isso é uma construção coletiva social, que infelizmente não é tão rápida quanto gostaríamos, mas que segue sempre no fluxo constante em direção ao progresso, apesar dos momentos de retração que infelizmente estamos vivendo. Meu desejo é conectar as pessoas com esse senso de esperança e com a certeza histórica do progresso e da evolução civilizatória.

Política para mim não se limita a política partidária, tem mais a ver com diálogo, relações cotidianas, com o que a gente vive de verdade, na vida real, no dia a dia, no trabalho, na família, na rua. Como a gente se comunica, se relaciona, se mistura, se soma e olha para o outro... Nesse sentido, meu trabalho tem sido sempre muito político.

A canção de abertura do show, "Pelo Tempo que Durar", parece ter sido escolhida a dedo para esse momento que a gente vive. Confere?

Sim, achei que essa música minha e da Adriana Calcanhotto seria uma bela maneira de receber as pessoas, "Nada vai permanecer/ No estado em que está/ Eu só penso em ver você/ Eu só quero te encontrar".

Tudo o que se lê sobre a turnê é que há um encantamento visual. Algo que você já havia provocado na anterior, mas parece que agora ainda mais. A ideia sobre toda a parte visual, inclusive figurino, parte de você? Como é a sua colaboração?

O show é onde meu trabalho é mais coletivo. É um meio audiovisual onde as imagens potencializam os sentidos das canções. Sou responsável pela ideia inicial, e várias decisões cabem a mim, mas conto com uma equipe primorosa que desenvolve tudo e vai muito além. A banda, direção de arte, editores, técnicos de som e luz, cenotécnicos, equipe de produção, figurinistas, costureiras, é muita gente envolvida para o resultado final. Agradeço a cada um que dedicou horas de sua vida para que a gente possa compartilhar com o público o resultado de nosso esforço coletivo.

O cenário do show foi desenvolvido a partir da série "Fundos", obra da artista plástica Lúcia Koch. Ela faz um trabalho a partir de caixas criando ambientes arquitetônicos com luzes e sombras que achei que seria perfeito para a atmosfera do show. A ideia era criar um diálogo entre o mundo interior, o isolamento, confinamento, e o mundo exterior, através da imaginação, do sonho, do poético e do lúdico. A partir desse princípio, uma equipe de criação e de editores, programadores e iluminador, tendo Batman Zavareze e Claudio Torres como codiretores, desenvolveu os vídeos e efeitos visuais.

Os figurinos foram criados pela Renata Correia, inspirada pelas referências do [diretor de arte] Giovanni Bianco, que é meu amigo e parceiro há muitos anos. Ele colaborou nas escolhas visuais e é uma grande referência com seu senso estético preciso. É um artista generoso e brilhante e é um privilégio ter seu olhar como espelho.

Entre a turnê anterior e esta, você veio ao Recife para participar de um show com Paulinho da Viola e também em turnê com os Tribalistas. O público recifense te marca de alguma forma em particular?

O público de Recife sempre me recebeu calorosamente, numa troca intensa e gratificante. É sempre uma alegria voltar à cidade onde tenho vários amigos, lugares que eu gosto de visitar, seja para cantar ou pra passear. É um público muito intelectualizado, exigente e generoso. Pernambuco sempre é inspirador para mim.

Tudo bem que "Portas" está só começando. Mas um próximo projeto já ocupa seus pensamentos?

Esse ano tenho muito shows pela frente, depois de quase dois anos fora dos palcos por causa da pandemia. Em junho e julho estarei na Europa, em setembro na América Latina, acabei de fazer 12 shows nos Estados Unidos e muitos também aqui no Brasil. É um ano de reencontro, de reativação e expressão do coletivo, de eleição no Brasil, um ano de muita intensidade.

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