Coronavírus

Pequenos empresários estão entregues à própria sorte

Bancos não têm interesse em repassar crédito para pequenos negócios, fechados pela pandemia e governo federal não acerta na política de auxílio. Pequenos são responsáveis por 70% dos empregos no País

Leonardo Spinelli
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Leonardo Spinelli
Publicado em 26/05/2020 às 10:52 | Atualizado em 26/05/2020 às 11:41
BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
Com o comércio fechado há 65 dias, José Hércules Júnior diz que sobrou a alternativa de pegar dinheiro no banco para tentar pagar as contas atrasadas. Aí veio a surpresa... - FOTO: BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM

Um vídeo produzido pelo comerciante José Hércules da Silva Júnior, dono da loja de roupas Caracaramba, na Avenida Dantas Barreto, viralizou na semana passada em grupos de Whatsapp pela revolta que ele expressa. Com o comércio fechado há 65 dias, diz ele, só sobrou a alternativa de pegar dinheiro no banco para tentar pagar as contas atrasadas.

“A gerente me propôs R$ 15 mil para pagar meus débitos em 12 parcelas de R$ 3993. É um absurdo, dá mais de R$ 45 mil. Toda essa situação deixa a gente aborrecido”, comentou ao falar com o JC. “Não tenho ideia porque o banco cobra tão caro”, diz. A grande verdade é que os bancos não têm interesse em emprestar a pessoas como José Hércules. As instituições financeiras acreditam que empresas como a Caracaramba não vão sobreviver ao coronavírus. Na outra ponta, o governo caminha a passos lentos para entregar um auxílio aos pequenos negócios. A ajuda ainda não chegou.

A Lei 13.999, sancionada há uma semana pelo presidente Jair Bolsonaro, ainda não surtiu efeito e é mais uma tentativa de tentar destravar o crédito para pequenas e micro empresas. Desde março, o governo vem batendo cabeça para tentar liberar crédito para as pequenas empresas. “Essa nova lei é a bisneta daquele projeto de 27 de março que previa R$ 40 bilhões com 85% garantido pelo FGO (Fundo Garantidor de Operações do setor público. Do ponto de vista prático, os bancos não têm interesse em promover o repasse dessas linhas. É trabalhoso e não dá rentabilidade”, diz o economista João Rogério Alves, da PPK Consultoria.

“Não resta dúvida a quem deve ser enderaçada essa responsabilidade: aos bancos estatais”, diz. Na sua visão, salvar as pequenas e médias empresas, responsáveis por mais de 70% dos empregos formais, é uma política de estado e, por isso, os bancos públicos são necessários neste momento. Na pequena loja de roupas de José Júnior, seus três funcionários passaram a receber o auxílio do governo. "Não tenho como pagar salário", diz. 

Álvaro Villa, economista da Messem Investimentos, lembra, no entanto, que os bancos públicos não têm a capilaridade necessária para atender a atual demanda por crédito. “O governo tenta diluir para os bancos ficarem com 10% do risco do crédito, via BNDES. Mas poucos conseguem acessar. Mesmo a Caixa ampliando a carteira de crédito, não consegue chegar a todo mundo. É preciso chegar Santander, Itaú, todos”, diz.

PROVISÃO

No balanço do primeiro trimestre divulgado nas últimas semanas, os grandes bancos brasileiros ampliaram sua provisão para créditos duvidosos. Em outras palavras, as instituições bancárias preveem aumento da inadimplência e, na prática, vão emprestar menos. “Temos uma política pública muito ruim de enfrentamento da pandemia”, diz Villa. “Não sabemos até quando vai a quarentena e qual será a queda do PIB. O risco de crédito do dono da padaria aumentou. O banco não sabe se daqui a seis meses esse negócio vai ter sobrevivido. Por isso, não empresta ou cobra juros muito mais altos.”

Com isso, lembra o economista da Fecomércio-PE, Rafael Ramos, apenas dois de 10 empresários conseguem aprovar crédito durante a pandemia. Justamente aqueles que têm as maiores empresas. “As pequenas não são tão profissionalizadas na parte financeira, são inúmeras documentações que elas não dispõem”, diz. “Os empresários estão revoltados, porque tem propaganda falando de crédito mais fácil mas, na prática, as empresas não conseguem acessar. Muitas serão fechadas”, prevê.

Os pedidos de seguro-desemprego aumentaram 76,2% na primeira quinzena de maio na comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com balanço divulgado pelo Ministério da Economia.

O governo reconhece o risco de quebradeira. Na semana passada o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, disse Bolsonaro vai editar nos próximos dias uma medida provisória (MP) para “destravar” o crédito para micro e pequenas empresas.

“O banco está protegendo o negócio dele”, resume Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). “Até operações com garantia de imóveis, que antes da crise rodavam bem, os bancos estão recusando. Sabem que no final vão ficar com o imóvel, mas eles não querem imóvel.”

Oliveira lembra que mesmo nos EUA houve problema de oferta de crédito, resolvido com o Tesouro garantindo as operações. “Aqui as coisas vão mais devagar. O governo esperou que os bancos destravassem.” Além disso, a equipe econômica tem uma preocupação forte com a parte fiscal. “Todos os países estão se endividando. Depois vê isso.”

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