NEGÓCIOS

Poder econômico da sustentabilidade favorece empresas e pressiona política ambiental brasileira

A dependência dos negócios da natureza pode colocar em risco US$ 44 trilhões por perda de biodiversidade e colapso do ecossistema

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 19/07/2020 às 8:07
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Na avaliação do secretário Thiago Caldeira, o plano para esses aeroportos "demonstra a importância que o governo federal dá para a Amazônia e para a integração" - FOTO: Foto: AFP

A covid-19 mudou hábitos e, em certo aspecto, forçou uma discussão sobre meio ambiente, provocada pela menor emissão de CO2 pelos transportes, pela redução das produções nas indústria e o recrudescimento de flora e fauna até em áreas urbanas. Não é de hoje que se alerta para a necessidade de equilíbrio entre preservação e desenvolvimento. A perda de biodiversidade e o colapso do ecossistema é uma das cinco principais ameaças que a humanidade vai enfrentar nos próximos 10 anos, segundo o Relatório Global de Riscos 2020 do Fórum Econômico Mundial. A dependência dos negócios da natureza coloca em risco US$ 44 trilhões, o equivalente a mais da metade do PIB do planeta. Por outro lado, transições sistemáticas que beneficiem a natureza podem gerar US$ 10 trilhões ao ano e 395 milhões de empregos até 2030. O caminho para alcançar esse desenvolvimento sustentável, no entanto, depende do que já está sendo feito hoje pela sociedade civil, empresas e governos em todo o mundo.

Ao apresentar o relatório no início deste ano, o Fórum Econômico Mundial fez um alerta sobre o Brasil: "A questão é não repetir os mesmos erros como sociedade global e como parar o desmatamento antes que seja tarde demais", disse o especialista-chefe do Departamento de Risco da Zürich Insurance e um dos autores do relatório, Peter Giger. O alerta ecoou por todo o mundo, e tem sido respaldado pela iniciativa privada no País.

Conforme o relatório, as ameaças priorizadas para a ação comercial estão relacionadas a alimentação, uso da terra e dos oceanos; infraestrutura e construção; e energia e produção extrativa. Nesses segmentos, são apontadas pelo menos 15 transições que precisam ser feitas para alcançar níveis equilibrados para desenvolvimento sustentável das atividades.

"É uma agenda que parece nova, mas não é muito nova. A agenda da sustentabilidade já está sendo implementada e está no radar dos negócios, investidores, estados e governos há algum tempo. A palavra sustentável é sinônimo de perenidade, e todos os negócios têm essa missão - serem eficientes, rentáveis e que durem bastante tempo", diz a gerente de relações institucionais do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (cebds), Tatiana Assali.

O cebds é uma das instituições que assinaram um comunicado do setor empresarial brasileiro, endereçado ao Conselho da Amazônia, alertando sobre os riscos, inclusive econômicos, por conta da percepção negativa tida pelo mundo das políticas socioambientais adotadas no País. O documento já conta com mais de 60 assinaturas de grandes empresas, investidores e instituições.

No meio de uma pandemia que já restringe as oportunidades de negócios, dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon apontam que no primeiro semestre deste ano a Amazônia totalizou 2.544 km² de área desmatada, um aumento de 24% comparado ao primeiro semestre de 2019. Na última quinta-feira, um estudo publicado na revista Science indicou que 22% da soja e pelo menos 17% da carne bovina produzidas na Amazônia e no Cerrado e exportadas para a União Europeia podem ter rastros de desmatamento ilegal, o que só ajuda a piorar a imagem ambiental negativa do País e reforça a necessidade de as empresas se posicionarem em linha com o que mundo demanda como modelo de negócio, pressionando a mesma tomada de decisão por parte do poder público.

"A cada dia tem mais empresa aderindo (ao comunicado), mesmo após estar público. Combater o desmatamento ilegal, incluir socialmente as pessoa e iniciar uma retomada sustentável faz sentido. A economia precisa que os negócios, o meio ambiente e as pessoas prosperem. A importância e preocupação no desenvolvimento sustentável tem um papel de geração de valor econômico e financeiro também de retorno ao longo prazo. Quando você preza pela sustentabilidade, trabalha a eficiência, gestão, melhor operação. Faz bem para o meio ambiente e para a empresa", reforça Tatiana.

Maior produtora e exportadora de papel do País, a Klabin tem se colocado à disposição para somar esforços com outras empresas para evitar que a imagem do País seja afetada por algum errado direcionamento socioambiental. Atuando em mais de 50 países, a companhia investiu R$ 121,6 milhões em políticas sustentáveis no ano passado, o que representa 2,81% do seu Ebitda (R$ 4,3 bilhões).

"Nós defendemos os cuidados e preservação na parte ambiental, em linha com o que a Klabin trabalha. Preocupados com o desenvolvimento sustentável do País e, consequentemente, a conservação da Amazônia. Esse comunicado reforça muito as crenças da Klabin, que estão bastante relacionadas com as nossa práticas implantadas dentro a companhia. Esse foi o sentido, mostrar que estamos preocupados e dispostos a compartilhar nossas práticas. A imagem do nosso país, de alguma forma, acaba sendo afetada", diz o gerente de sustentabilidade e meio ambiente da Klabin, Júlio Nogueira.

Aliar as práticas socioambientais ao desenvolvimento da companhia não se trata de nenhuma dicotomia e tem conferido à empresa a captação de US$ 1,2 bilhão em emissões de títulos verdes. "Se não tiver implementado todas essas práticas, não consegue sobreviver no mercado. Isso tem de fazer parte da sua estratégia. Na minha percepção, a exigência do mercado externo é até maior, principalmente do continente europeu. A cobrança e a exigência por práticas sustentáveis são bem mais perceptíveis. Hoje, quem não tiver boas práticas sustentáveis está fadado a sumir do mercado. O mercado é muito exigente, e o consumidor está altamente consciente", reforça Nogueira.

Com uma produção de 2 milhões de toneladas de papel e 1,5 milhões de toneladas de celulose, a Klabin minimiza os impactos no meio ambiente mantendo quase 500 mil hectares de florestas nativas e plantadas. Pelo menos 43% é de floresta preservada, mas 100% da produção é oriunda de floresta plantada. Dentre outras ações, todos os efluentes usados para produção de papel também são tratados nas suas 19 plantas industriais.

Geração de recursos

De acordo com o Relatório de Avaliação Global dos Recursos Florestais de 2020, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 12% das florestas do mundo estão no Brasil, totalizando 497 milhões de hectares – destes, 97% são florestas nativas. Manter a floresta de pé, na avaliação do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), gerou, em 2018, apenas considerando as áreas com vegetação nativa, 11.638 empregos formais no País. Entre as oportunidades de uso sustentável dessas áreas, está a extração de alimentos, oleaginosas, ceras, fibras e substâncias medicinais.

"Não temos números, mas, se você olha grandes investidores globais levantando a bandeira de que não vão financiar empresas que não estão em linha, acho que temos a palavra 'impacto' como consequência. Para o bom ou o ruim, se conseguirmos endereçar, podemos nos tornar bons atrativos. Se não fizermos o trabalho de casa, teremos impacto nos negócios e seus financiamentos", alerta a gerente da cebds.

Num estudo capitaneado por mais de 100 cientistas e economistas, a pedido da Campanha Pela Natureza (CFN, na sigla em inglês), e divulgado no início deste mês, prezar pelo crescimento sustentável pode beneficiar a economia global numa proporção de 5 para 1 em relação aos custos, se pelo menos 30% do território global e dos oceanos fossem protegidos. O relatório conclui que as proteções adicionais levariam a uma média de US$ 250 bilhões em aumento da produção econômica anualmente, além de US$ 350 bilhões em serviços ecossistêmicos aprimorados ao ano. Os números mostram que a retomada pós-pandemia pode ser vultosa prezando pela sustentabilidade. Atualmente, aproximadamente 15% da terra do mundo e 7% do oceano têm algum grau de proteção.

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