No Recife para participar de colóquio de Física na UFPE, o ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) adotou tom crítico contra o governo Bolsonaro, a quem acusou de usar “desculpas infantis” para a não ação contra as queimadas na Amazônia. Para ele, a somente a pressão econômica pode mudar postura do governo.
Jornal do Commercio: O senhor pode falar sobre sua saída do Inpe?
Ricardo Galvão: Esse problema com o governo Bolsonaro vem de muito antes. Ele surgiu porque para emitir os alertas sobre desmatamento usávamos um sistema que, ao contrário do que o governo diz – que passávamos dados para a imprensa sem ele saber –, não é verdade. O sistema foi desenvolvido para o Ibama e não temos que passar nada. O G1 entrou na nossa página, viu que os alertas cresceram muito, pegou os dados de junho, somou e comparou os resultados com o mesmo mês do ano passado. Aí o governo reclamou e com razão porque o Inpe nunca disse que isso era possível. O Inpe alerta que nenhuma consolidação tem validade com no mínimo cinco meses. Mas quem fez essa comparação não foi o Inpe. Só que isso irritou muito governo. Na minha opinião, contudo, isso foi desculpa. Desde janeiro, o ministro Ricardo Salles (do Meio Ambiente) vem dizendo que esse sistema não era suficiente. Acredito que já havia o interesse de denegrir o trabalho do Inpe para encontrar um sistema do interesse deles. Sabíamos que ia aumentar as queimadas e avisamos que o foco iria aumentar. Então aquilo que o governo diz sobre ser pego de calças curtas é uma desculpa muito infantil.
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JC: E sobre sua relação com o ministro Marcos Pontes?
RG:O ministro Marcos Pontes eu tinha esperança que ele fosse reagir melhor porque desde que ele entrou, toda a conversa dele com a comunidade científica era dito que o problema da Amazônia tinha que se resolver com base científica e não política. Mas desde que comecei a informar ao ministério sobre um confronto com o Ministério do Meio Ambiente avisei que o embate não era bom. Eu sabia o que aconteceria com esse ataque ao Inpe. A credibilidade do Inpe é imbatível. Sabia que o governo, quando fosse mexer num vespeiro que não tinha ideia, quem ia ficar mal eram eles. Eu vinha alertando e fui ao Ministério avisar o que ia acontecer. Nunca o ministro retornou as ligações.
JC: O senhor acha que o ministro não tinha dimensão do que poderia ocorrer?
RG: O termo é esse: ele não tinha a dimensão. Ele nunca trabalhou na área científica e em gestão do governo federal. Não soube avaliar a dimensão do problema. Quando o presidente me atacou daquela maneira muito forte e disse que os dados eram mentirosos, aquilo me afetou profundamente. Existe um trabalho muito grande de toda comunidade científica. Ao dizer que os dados eram mentirosos, ele estava atacando os cientistas que fizeram aqueles dados. O presidente foi completamente tosco e não tinha dimensão do que estava falando, ou fez de propósito.
JC: Como o senhor vê a relação entre o governo a ciência?
RG: O governo do presidente Bolsonaro não é uma governo uniforme. Tem a ala que tem o ministro Marcos Pontes, que é engenheiro do ITA e tem sete anos de Nasa. Ele sabe o que é ciência. Poderia citar outros. No entanto, no entorno do presidente Bolsonaro existe um grupo muito forte que tem visão obscurantista da ciência e autoritária. Isso infelizmente acoplado a outra coisa que é o pensamento ideológico de que toda a comunidade científica está dominado pela esquerda, aparelhada, como dizem, traz prejuízo. Em várias ocasiões falava ‘por que não consultam a sociedade brasileira de física?’, por exemplo, e a resposta era de fazer chorar: ‘nós não fazemos isso porque sabemos que a resposta virá aparelhada pela esquerda’. Essa visão e o preconceito são muito ruins para o País. Mas não é todo o governo.
JC: Essa ideologia que o senhor fala fez o presidente ligar o senhor e as queimadas com ONGs (Organizações não Governamentais)?
RG: No meu caso acho que é uma hipótese muito verossímil. Fui escolhido pelo governo passado, já era o Temer e ficaria quatro anos. Mas o que deve ter incomodado o governo é que fui diretor de outra unidade do ministério no governo Lula (2002 – 2010). Certamente eles ligavam ao governo Lula. Mas não fui indicado por questões políticas. Até respondi que nenhum diretor de unidade de pesquisa é indicado por questão política. É uma questão técnica e científica.
JC: O que o senhor pode falar com relação às queimadas crescentes no País?
RG: O número de queimadas é consolidado, de janeiro a agosto. Nós já sabíamos que ia ocorrer porque sabíamos a dinâmica. Eles fazem a limpeza com desmatamento e depois queimam. O Inpe diz onde tem foco. Avisamos que ia ocorrer de qualquer jeito. Outra vez o governo arrumou desculpas infantis para justificar a não ação. Se tenho sete mil focos como vou ter sete mil ONGs se deslocando na Amazônia? A Nasa mostrou que a maior parte dessas queimadas vem do sul da Amazônia, onde está sendo desmatado. Não é nem tapar sol com a peneira. Todo mundo está dizendo que o rei está nu e ele não reconhece.
JC: Como o senhor avalia a pressão da comunidade internacional sobre o governo?
RG: Essa pergunta é muito difícil. Você sabe que uma interferência internacional não é fácil. No entanto, a pressão econômica sim pode ser muito forte. O agronegócio mais avançado do Brasil está extremamente preocupado. Não precisa nem ter ação do governo. Basta nossos competidores divulgarem que o produto vem de desmatamento que acabaram nossas exportações. A consciência ambiental na Europa é enorme. Até mesmo na China tem essa preocupação. Existem várias formas de colocar pressão que o governo não vai suportar.
JC: O senhor tem expectativa sobre mudanças no governo no que diz respeito à ciência e às questões ambientais?
RG: A esperança que tenho, como falei o governo Bolsonaro não é uniforme, é que recebo informações que grupos mais ligados a oficiais reformados estão botando pressão, assim como o agronegócio. Espero que essa pressão seja forte para mudar a atitude do presidente.