O brasileiro Roberto Azevêdo deixa nesta segunda-feira (31) a direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma instituição em crise e sem comandante, uma situação que pode prosseguir por um tempo maior do que o imaginado devido às eleições nos Estados Unidos, afirmam analistas.
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O futuro diretor geral da OMC terá desafios importantes como a preparação da conferência ministerial de 2021, a retomada das negociações e a resolução dos conflitos entre a organização e os Estados Unidos. Tudo isso em plena crise econômica mundial provocada pela pandemia do novo coronavírus.
O governo americano considera que a organização trata Washington de forma "injusta" e ameaçou abandonar a OMC. O país deseja uma renovação da instituição e desde dezembro bloqueia o tribunal de apelações de seu órgão de resolução de litígios.
"Estados Unidos querem que o próximo diretor geral compartilhe as preocupações americanas, muitas que envolvem a China. Como o diretor geral é eleito por consenso, esta posição complica a escolha", explica o professor de Relações Internacionais Manfred Elsig, do World Trade Institute em Berna.
"É possível que muitos membros da OMC desejem esperar até depois das eleições, com a esperança de uma mudança de governo", completa.
Azevêdo anunciou em maio que deixaria o cargo um ano antes do fim de seu mandato por "motivos familiares". Oito candidatos estão na disputa para suceder o brasileiro: três africanos, dois europeus, dois asiáticos e um latino-americano.
Mas as tensões internacionais e a crescente politização das eleições para o comando das organizações internacionais podem dificultar o processo de designação do sucessor de Azevêdo.
De 7 a 16 de setembro, a OMC organizará a primeira fase de consultas - conhecidas como "confessionais" - com cada um dos membros para eliminar os três candidatos piores colocados para obter um apoio consensual.
Outras duas etapas serão organizadas, provavelmente em outubro e novembro.
A incapacidade dos países membros de chegar a um acordo em julho para designar um diretor interino demonstrou a "politização do tema", destaca uma fonte próxima ao caso. "A questão é saber até onde poderiam estar dispostos a chegar alguns, como por exemplo bloqueando um candidato aceito pelos outros membros", afirma um diplomata ocidental.
Com a saída de Azevêdo, um dos quatro vice-diretores da OMC (um americano, um alemão, um nigeriano e um chinês) deveria assumir o posto de maneira interina. Mas Washington e Bruxelas não chegaram a um acordo.
Elvire Fabry, pesquisadora do Instituto Jacques Delors, afirma que "o veto americano" à nomeação do alemão, que tinha o apoio da maioria dos países, se deve à vontade do presidente Donald Trump de "endurecer a relação de força com a União Europeia às vésperas das eleições".
"Uma concessão deste tipo, inclusive para o interino, teria sido muito grande. Mas também é preciso levar em consideração que Washington não descarta que o período interino se prolongue por mais tempo que o esperado, e não aceitou deixar um europeu no posto", analisa.
Os candidatos mantêm a calma, como o britânico Liam Fox, que afirmou à AFP que tem "confiança no processo de seleção", ou a queniana Amina Mohamed, que disse não ter nenhuma razão para duvidar que o calendário será respeitado.
"É difícil medir o poder prejudicial que os Estados Unidos estão exercendo sobre o processo, saber até que ponto pode realmente parar, perturbar e, também, até que ponto deseja isso. Acredito que isto continua sendo uma grande incógnita", afirma Sébastien Jean, diretor do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais. "Temos a sensação de que Washington continuará bastante passivo e demonstrará pouca boa vontade até 3 de novembro. Alguns inclusive falam para aguardar até a posse de 20 de janeiro do presidente americano", completa.
O processo de nomeação do próximo diretor da OMC nunca foi tão politizado e alguns não descartam a possibilidade devotação, o que seria algo inédito. Em 1999, quando os países não chegaram a um acordo, optaram por designar dois diretores, cada um por um mandato curto de três anos.
A solução não agrada o analista Manfred Elsig devido à gigantesca tarefa que aguarda o sucessor de Azevêdo. "Uma pessoa com mandato curto corre o risco de ser vista como um pato manco desde o início", afirma.