DÍVIDA

Com aval de Bolsonaro, Câmara vota para derrubar veto e anular dívida de igrejas

ocumento enviado pela liderança do governo aos parlamentares nesta semana estima a renúncia tributária de R$ 1,4 bilhão nos próximos quatro anos

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Estadão Conteúdo

Publicado em 17/03/2021 às 18:28
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Com aval do presidente da República, Jair Bolsonaro, deputados federais rejeitaram um veto do próprio chefe do Planalto para anular dívidas tributárias de igrejas acumuladas após fiscalizações e multas aplicadas pela Receita Federal. Agora, a votação depende do Senado, o que deve ocorrer ainda nesta quarta-feira (17).
Conforme o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) revelou em setembro, o valor do "perdão" seria de quase R$ 1 bilhão. Documento enviado pela liderança do governo aos parlamentares nesta semana estima a renúncia tributária de R$ 1,4 bilhão nos próximos quatro anos. De estoque acumulado em anos anteriores, deixariam de ser cobrados R$ 221,94 milhões.
A proposta alvo do veto exclui as igrejas do rol de contribuintes da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ampliando o alcance da imunidade prevista na Constituição. Além disso, perdoa as dívidas acumuladas com esse tributo no passado.
Bolsonaro vetou a medida com o argumento de que o dispositivo foi aprovado sem compensação fiscal e a sanção poderia ser classificada como crime de responsabilidade - dando margem para um processo de impeachment. Mas, por outro lado, se manifestou favorável à não tributação de templos e estimulou a derrubada do próprio veto.
Como mostrou o Broadcast, na época do veto, em reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, Bolsonaro demonstrou receio em cometer crime de responsabilidade, embora tenha dito que pessoalmente concordava com o perdão e quisesse sancionar a medida.
Imunidade constitucional contra a cobrança de impostos
As igrejas têm imunidade constitucional contra a cobrança de impostos, mas a proteção não alcança as contribuições, como a CSLL (sobre o lucro líquido) e a previdenciária. Nos últimos anos, a Receita identificou manobras dos templos para distribuir lucros e remuneração variável de acordo com o número de fiéis sem o devido pagamento desses tributos - ou seja, burlando as normas tributárias.
A medida aprovada pelo Congresso Nacional pretendia, por meio de uma lei ordinária, estender a imunidade constitucional das igrejas à cobrança da CSLL e ainda anular dívidas passadas. Outro dispositivo almejava anistiar multas e outras cobranças aplicadas sobre a prebenda, como é chamada a remuneração dos pastores e líderes do ministério religioso.
Ambos os artigos foram propostos pelo deputado David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, que tem milhões em dívidas com a União.
Bolsonaro vetou o primeiro dispositivo, que trata da CSLL, para afastar qualquer eventual violação à Constituição. Mas o presidente sancionou o artigo sobre a prebenda, de caráter mais interpretativo.
Após estimativas iniciais apontarem o risco de desfalque de R$ 1 bilhão aos cofres da União caso os dois artigos fossem sancionados, cálculos atualizados da área econômica mostraram um prejuízo potencial de até R$ 2,9 bilhões.
Com a sanção do artigo sobre a prebenda, o risco seria de R$ 1,1 bilhão. Mas a avaliação na área econômica é que o dispositivo foi mal redigido e dá margem para que a Receita Federal siga na briga pela cobrança dos débitos. Isso porque o projeto só interpretou uma norma vigente, que, segundo esses técnicos, já era seguida à risca pelo Fisco.
A percepção na área econômica é que os templos usarão a norma sancionada para tentar reabrir a discussão jurídica, que hoje já está na fase de execução de bens dessas igrejas, para tentar pleitear a anulação, mas não necessariamente terão sucesso na disputa.
Para evitar essa judicialização, a equipe econômica havia recomendado veto total às medidas, mas precisou ir para a mesa de negociação diante do desejo do Palácio do Planalto em fazer um aceno à bancada evangélica, que é um importante pilar de sustentação do governo.
Bolsonaro foi eleito com o apoio de diversas lideranças evangélicas. Embora se declare católico, o presidente tem uma relação próxima a pastores e igrejas evangélicas. A primeira-dama Michelle Bolsonaro é frequentadora da Igreja Atitude, no Rio.
Três integrantes do primeiro escalão do governo são pastores: a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e os ministros André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Milton Ribeiro (Educação).
A bancada evangélica tem se articulado para incluir, na reforma tributária, a ampliação do alcance de sua imunidade tributária para qualquer cobrança incidente sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos, obras de arte e até operações financeiras (como remessas ao exterior).
A avaliação de tributaristas, no entanto, é que a medida não daria às igrejas salvo-conduto para continuar driblando a fiscalização para distribuir lucros disfarçados de renda isenta.
 

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