PANDEMIA

Aumenta a pressão na OMC para a quebra das patentes das vacinas contra a covid-19

Na realidade, o que está sendo defendido é um licenciamento compulsório - que suspenderia a patente por um determinado período dentro do que estabelece os acordos internacionais

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Angela Fernanda Belfort

Publicado em 25/04/2021 às 18:03 | Atualizado em 25/04/2021 às 18:21
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Está aumentando a pressão para que ocorra a quebra das patentes das vacinas contra o coronavírus na Organização Mundial do Comércio (OMC). Na quarta-feira da semana passada, um grupo de parlamentares brasileiros enviou uma carta a presidente da OMC, Ngozi Okonjo Iweala, reforçando a proposta apresentada por países como a África do Sul e a Índia pedindo a suspensão de patentes das vacinas, medicamentos e outros produtos ligados ao combate à covid-19. Já são mais de 100 países querendo a suspensão temporária da patente dos imunizantes. Isso faria as vacinas ficarem mais baratas.

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A patente é um instrumento de propriedade intelectual em que o Estado oferece uma propriedade temporária sobre uma invenção aos seus autores. No Brasil, geralmente as patentes são concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) por um prazo de 20 anos. Isso significa que neste período, se alguém quiser fabricar o produto, tem que pagar royalties a empresa ou ao pesquisador, dono do invento.

A quebra das patentes tem sido defendida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que estabelece diretrizes para o enfrentamento à pandemia, mas é a Organização Mundial do Comércio (OMC) que estabelece as regras de propriedade intelectual entre os países. "Quebrar a patente, temporariamente, é a forma que temos para que a vacina chegue a todos, o mais rápido possível. Respeitamos a propriedade intelectual, mas a preservação da vida deve ser prioridade. Esta carta é uma contraposição do parlamento brasileiro ao governo federal, deixando claro que o Congresso Nacional não é cúmplice dessa omissão com a população brasileira", resume o deputado federal Danilo Cabral (PSB). A carta foi assinada por parlamentares do PSol, PDT, PC do B e PT, além do PSB. Mas também estão a favor da quebra da patente políticos de partidos como PSD e PSDB e existem pelo menos dois projetos de lei sobre isso tramitando no Congresso Nacional.

"No caso de uma crise sanitária destas proporções, se busca um capítulo do TRIPS (acordo que regula a propriedade intelectual no âmbito da OMC) que prevê o licenciamento compulsório das vacinas", explica o ex-senador e ex-ministro Armando Monteiro Neto. Neste licenciamento compulsório, as empresas produziriam as vacinas sem pagar as patentes por um determinado tempo. Ele também argumenta que os países deveriam delegar a OMC uma autonomia de negociação para que o órgão coordenasse "um esforço global na distribuição mais igualitária das vacinas".

Também estão favoráveis a suspensão temporária das patentes os governadores que assinaram uma carta pedindo isso a Organização das Nações Unidas (ONU), alguns pesquisadores da Fiocruz, como os renomados Jorge Bermudez e Carlos Gadelha, além de entidades que acreditam no conhecimento como a Academia Pernambucana de Ciência (APC) e a Academia Pernambucana de Medicina (APM). Ambas divulgaram uma nota conjunta pedindo a quebra temporária das patentes das vacinas alegando que se isso ocorrer "laboratórios de todo o mundo poderiam rapidamente reequipar sua capacidade de manufatura e, mediante transferência de tecnologia, passariam a produzir essas vacinas em vários países". As duas instituições vão realizar um debate sobre a quebra das patentes, na quinta-feira (29) com a participação da doutora em direito Carla Carvalho e do doutor em sáude pública Pedro Villardi.

A argumentação dos que são favoráveis a quebra temporária da patente das vacinas ou licenciamento compulsório é que no atual ritmo pode levar anos para o mundo inteiro estar vacinado. Até agora, a vacina é a resposta mais eficaz à covid-19 que já matou mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo mais de 381 mil brasileiros. Até meados de fevereiro último, 130 países não tinham iniciado a vacinação e 75% das doses aplicadas das vacinas foram em cidadãos dos países ricos. E isso ocorreu por falta de vacinas.

Também há uma estimativa de que tenham sido aplicados cerca de US$ 10 bilhões no desenvolvimento dessas vacinas e somente 25% desse total teria sido bancado pela iniciativa privada. O restante foi bancado por vários governos, que inclusive anteciparam os recursos da compra dos imunizantes, o que não foi o caso do Brasil. Até agora, a posição oficial do País é contra a quebra das patentes, mesmo que temporária, e até bem pouco tempo o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), desestimulou, publicamente, o uso da vacina pelo menos sete vezes até o último dia 23 de março.


CONTRA

O diretor do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), José Luiz Lima Filho, é contra a quebra das patentes, mesmo de forma temporária, porque desestimula as universidades e empresas a fazerem investimentos em ciência e tecnologia. "O baixo investimento na ciência, em vários governos, fez o País não ter vacina própria contra o coronavírus", afirma. Ele cita o caso da Índia que tinha "pouco dinheiro e muita gente e, por isso decidiu investir em dois setores: fármacos e tecnologia". Resultado: o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) que é usado para fazer a vacina da Fiocruz no Brasil vem da Índia.

Ex-secretário de Saúde do governo Jarbas Vasconcelos (PMDB), Guilherme Robalinho, também é contrário a quebra da patente. "Não é oportuno", diz. Para ele, deveria ser feito um acordo comercial com o fabricante (que tem a patente) sendo fornecedor por um tempo e depois transferindo a tecnologia.

Robalinho ocupava a pasta da saúde estadual, quando o Brasil passou por outra grande discussão sobre a quebra da patente para os medicamentos usados no tratamento da Aids. Liderado pelo ex-ministro da Saúde, José Serra o Brasil esteve à frente de um movimento - que incluiu vários países - para quebrar a patente destes remédios. "Houve uma ameça concreta da quebra da patente e os laboratórios recuaram. Foi feito um acordo com os grandes fabricantes e os remédios passaram a ser fabricados no Brasil muito mais baratos", lembra Robalinho. Na época, foi noticiado que os medicamentos ficaram cinco vezes mais baratos.

 

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