Risco de faltar energia no Brasil no segundo semestre é real, dizem especialistas. Entenda por que
Eles apontam que houve erro de planejamento nas gestões passadas do governo federal. Vai sobrar para o consumidor que terá a conta mais alta nos próximos meses
Depois de 20 anos do último racionamento de energia, vem mais um risco de apagão por aí ou, no mínimo, de blecautes. Se isso vai ocorrer ou não é uma questão mais complexa e depende de algumas variáveis, inclusive de uma que não pode ser determinada por qualquer governo: as chuvas. O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) disse que "deu um azar", se referindo à pouca quantidade de água dos reservatórios das hidrelétricas dos sistemas do Sudeste-Centro-Oeste, que armazenam cerca de 70% de toda a água que pode ser usada pra produzir energia no Brasil. Governos não podem mandar no clima, mas é senso comum que os fenômenos climáticos estão mais imprevisíveis. E, mais uma vez, faltou algo básico: planejamento, na opinião de dois especialistas do setor. A primeira consequência que isso vai trazer ao consumidor é o aumento no preço da energia, que já começou a pagar a bandeira vermelha no patamar 2 este mês.
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Desde o começo desta semana, o que levantou mais suspeita sobre um futuro racionamento foi uma Nota Técnica assinada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), que é quem controla o Sistema Interligado Nacional (SIN), que faz chegar energia na casa de quase a totalidade dos brasileiros. Comparando com o volume de chuvas que ocorreu no ano passado, a nota prevê "a perda do controle hidráulico de reservatórios da bacia do Rio Paraná no segundo semestre de 2021", o que "implicaria em restrições no atendimento energético nos subsistemas Sul e Sudeste/Centro-Oeste". As bacias do Rio Paraná armazenam 53% de toda a água que pode gerar energia de todo o sistema elétrico do País.
"O risco de racionamento existe, mas é mais provável que ocorram cortes de carga, que é o consumidor ficar sem energia numa determinada hora", explica o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Para ele, a situação é um pouco diferente de 2001, quando ocorreu o último racionamento de energia no Brasil. "Não tínhamos térmicas, nem o sistema elétrico (SIN) era tão interligado, como é agora, e 90% da geração de energia elétrica dependia da água", comenta. Em 2001, a estiagem também prejudicou o armazenamento dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e também do Nordeste.
Hoje, 63,5% da energia do Brasil é gerada pelas hidrelétricas. Pode-se transportar energia do Nordeste para o Sudeste, como já ocorreu no ano passado, quando os nordestinos enviaram os excedentes da energia produzida para outras regiões. As eólicas respondem por 11% da geração de energia do Brasil e quase não existiam em 2001. E as térmicas podem responder por até 13,1% de toda a capacidade instalada para produzir energia no Brasil. "A atual crise é mais parecida com a de 2014/2015. O governo federal apostou em fontes intermitentes e não colocou mais térmicas a gás natural rodando a 70% da sua capacidade. As térmicas funcionariam como uma bateria virtual para que a geração eólica e a solar cresçam", resume Adriano, que considera a atual situação "erro de planejamento", argumentando que o Brasil não pode depender da água para ter energia. Ele defende também que o Brasil deveria aumentar a geração de energia nuclear, o que também é criticado por ambientalistas.
O coordenador de projetos do Instituto Energia e Meio Ambiente, Ricardo Baitelo, também concorda que houve erro de planejamento do governo com relação à geração de energia elétrica. Os empreendimentos do setor deveriam ser planejados a longo prazo. Ele defende que o governo federal deveria ter contratado mais empresas para gerar energia eólica no período de 2015-2016, quando deixaram de ser realizados alguns leilões para contratar este tipo de energia. "Não contrataram por alegarem que não estavam precisando dessa energia, que também seria mais barata do que as térmicas", comenta.
E aí se volta ao mesmo impasse que alimenta as discussões entre os especialistas. Os ventos também são uma fonte que dependem da natureza, podem parar e diminuir a quantidade de energia gerada. E as térmicas a gás natural - podem funcionar sem parar - mas emitem emissões de carbono. No entanto, os dois especialistas têm razão, quando dizem tem a matriz energética do País deve ficar mais diversificada. Isso significa fazer valer aquele velho ditado popular: não se coloca todos os ovos numa cesta só.
E a falta de planejamento vai sobrar pra quem não tinha a obrigação de responder por isso: o consumidor de energia que vai pagar por uma conta mais cara, já que as térmicas usam como matéria-prima o gás natural, o diesel e o carvão, todos mais caros do que a água que está faltando nos reservatórios das hidrelétricas. É por isso que o consumidor já está pagando um acréscimo de R$ 6,243 pela bandeira vermelha no patamar 2 este mês por cada 100 quilowatts consumidos.
Caso esse acréscimo não seja suficientes para bancar as térmicas, o restante da cobrança vai vir no aumento anual da distribuidora de energia, que no caso dos pernambucanos tem o próximo reajuste marcado para o dia 29 de abril de 2022. E pode ir preparando o bolso. Atualmente, são gerados cerca de 10 mil megawatts (MW) médios pelas térmicas. O próprio ONS trabalha com a possibilidade de uma geração de cerca de 20 mil MW médios pelas térmicas em outubro e novembro, colocando em funcionamento até as termelétricas que usam óleo diesel e produzem, entre todas as geradoras, a energia mais cara, além de serem as mais poluentes.
OUTRO LADO
Depois que a nota técnica do ONS chamou a atenção, a instituição esclareceu que o "único cenário em que há risco de déficit é o cenário de referência, utilizado para demonstrar que ações precisavam ser tomadas com o intuito de evitar essa ocorrência. Sendo assim, diversas medidas foram aprovadas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e já estão em curso, o que faz com que esse cenário não se concretize e se garanta o fornecimento de energia e potência em 2021".
Ainda de acordo com o ONS, as medidas que foram adotadas foram "a flexibilização das restrições hidráulicas dos aproveitamentos localizados nas bacias dos rios São Francisco e Paraná; aumento da geração térmica e da garantia do suprimento de combustível para essas usinas; importação de energia da Argentina e do Uruguai, além de campanha de uso consciente da água e da energia".