São Paulo

Após recuperar quase R$ 900 milhões, força-tarefa mira fraudes fiscais de R$ 8 bilhões

Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira-SP) restituiu R$ 896,4 milhões aos cofres paulistas desde que entrou em funcionamento

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Estadão Conteúdo

Publicado em 22/11/2021 às 13:02
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Criado em agosto do ano passado em conjunto pelo Ministério Público de São Paulo, Secretaria da Fazenda e Planejamento e Procuradoria Geral do Estado (PGE), o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira-SP) restituiu R$ 896,4 milhões aos cofres paulistas desde que entrou em funcionamento. O grupo mira sonegação e fraudes fiscais estruturadas.
O trabalho conjunto em nome da recuperação de ativos é anterior à existência do comitê como força-tarefa institucionalizada: vinha se intensificando desde 2018. No final do ano seguinte, MP e PGE, inspirados no modelo estabelecido em outros Estados, formalizaram a proposta ao governador João Doria (PSDB), que deu sinal verde para a iniciativa.
Ao Estadão, o procurador-geral de Justiça do Estado, Mário Sarrubbo, diz que espera ampliar o grupo de trabalho, com mais promotores, analistas, oficiais e agentes, até o próximo ano. Hoje, dois promotores representam o Ministério Público no Cira-SP: Luiz Henrique Dal Poz e Alexandre Castillo.
"A nossa disposição é investir cada vez mais nesse trabalho, porque ao mesmo tempo em que nós cobramos do Estado políticas que possam diminuir o abismo existente na sociedade brasileira e paulista, nós temos que ajudar o Estado a repatriar recursos para que ele possa efetivamente cumprir seu papel tão desejável de aferir saúde, edução e segurança. Para isso, é preciso dinheiro, para isso é preciso recolhimento de impostos, para isso nós não podemos admitir essa sonegação estruturada, que é o grande mote do comitê", afirma Sarrubbo.
O comitê está por trás de grandes operações abertas ao longo do último ano, como a segunda fase da Monte Cristo, que mirou fraudes fiscais bilionárias operacionalizadas por empresas do ramo farmacêutico, a Cavalo Marinho, que investiu contra um dos maiores estaleiros da América Latina, e a Noteiras contra notas fiscais fraudulentas emitidas por empresas de fachada.
Em períodos que antecedem as ações de campo, as reuniões, normalmente realizadas duas vezes por mês para alinhar investigações, se intensificam. O trabalho, muitas vezes, conta ainda com apoio da Receita Federal, quando as fraudes também envolvem tributos federais, e das Polícias Civil e Militar nas etapas ostensivas.
"O grande mote do comitê é identificar e reprimir a fraude fiscal estruturada, porque são verdadeiras organizações criminosas trabalhando para fraudar o Fisco estadual. Acho que justamente cada ente atuando dentro da sua esfera de competência, de atribuição, mas de forma harmônica, é isso que traz esse resultado expressivo", avalia Sarrubbo.
O Cira-SP em números:
  • R$ 896.467.919,08 recuperados;
  • 714 bens e direitos bloqueados - 256 imóveis, 286 veículos, 11 embarcações e 161 outros bens diversos, como cotas e ações societárias, além de marcas;
  • 107 mandados judiciais cumpridos;
  • 65 casos sob acompanhamento ou monitoramento envolvendo os seguintes setores: metalurgia, plásticos, bebidas, combustíveis, vestuário, eletrônicos, cosméticos, produtos alimentícios, transportes e cigarros. Em valores globais, os valores sonegados ou fruto de fraude fiscal estruturada são estimados em mais de R$ 8 bilhões;
  • 86 pessoas sob investigação.

LEIA A ENTREVISTA COM O PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO:

Fazenda, PGE e MP já vinham intensificando o trabalho conjunto desde pelo menos 2018. Olhando em restrospecto, em qual medida o comitê facilitou efetivamente esse trabalho?

A ideia surge, em primeiro lugar, inspirada pela experiência de outros Estados que já têm o Cira. Segundo, em função do entendimento entre os profissionais do Ministério Público, Fazenda e Procuradoria Geral do Estado que trabalhavam nesse tema. A partir daí, a gente resolveu oficializar a proposta. Eu, ainda subprocurador-geral, a procuradora-geral do Estado, Maria Lia Pinto Porto Corona, levamos a proposta ao governador Doria em outubro de 2019. A grande vantagem é que esse comitê é como se fosse um grupo pronto e que se entende. Eles trabalham muito bem juntos. A partir daí, nós oficializamos algo que já vinha acontecendo. E, obviamente, com oficialização e consequente a estrutura conferida pelas três instituições, os caminhos foram facilitados, os fluxos diminuíram e o resultado veio. É como se fosse um time muito bem treinado. Acho que a grande vantagem é ter uma estratégia melhor na identificação das prioridades, do que deve ser objetivo do comitê, e a partir daí o empreendimento de esforços para que esses resultados venham de forma rápida e efetiva. É a busca da estratégia com maior resolutividade, com um resultado mais rápido.

Então, um ano depois, o trabalho está dentro das expectativas?

Sem dúvida. Acho que os números foram bons para esse primeiro ano. A gente não pode esquecer que foi ainda um ano de pandemia, com algumas dificuldades. Não obstante todas as dificuldades, por conta também de estrutura, o grupo conseguiu um bom resultado. A gente gostaria de ter uma estrutura melhor ainda, porque faltam promotores, o concurso está aberto, faltam analistas, já solicitados, o que depende da Assembleia Legislativa. Quando a gente tiver essa estrutura, eu espero que no ano que vem, os números tendem a melhorar ainda mais.
Esse valor recuperado já começou a ser usado pelo poder público? Se sim, em quais iniciativas?
Isso vai para o caixa do governo estadual e tem sido objeto de investimento do Estado em políticas públicas, tão importantes notadamente no período da pandemia. Tudo o que se recupera vai para o caixa do Estado. É claro que existem bens bloqueados e apreendidos, imóveis, carros, aviões, tudo isso no momento oportuno será leiloado. Alguns já foram, outros irão.

Como, no dia-a-dia, é feito esse trabalho e esse contato entre as três instituições? Só em 2021 foram 39 reuniões, o que dá uma média mais de três encontros por mês, bastante coisa.

Há uma frequência de uma ou duas vezes por mês de trabalhos ordinários, vamos dizer assim. Mas é claro que essas reuniões são mais frequentes em períodos de operações. Algumas delas ocorrem no MP, mas não há uma regra absoluta. Em resumo, elas vão acontecendo conforme necessário, mas sempre há uma ou duas reuniões mensais para alinhamento das investigações e, na véspera das operações, elas se intensificam.

Como é composto esse comitê?

As instituições é que indicam os membros. Por parte do MP, há dois promotores de Justiça: Luis Henrique Galpos e Alexandre Mourão Tier, com as respectivas estruturas, uma parte de Gaeco também. Na verdade é uma equipe que já vinha trabalhando junto, com alguns acréscimos de nomes. Acho que o mais importante é o quesito entendimento do grupo. A harmonia que reina na tomada de decisões leva a um resultado bastante efetivo. A tendência é melhorar com maior estrutura.

Além da parte de investigação, o comitê também costuma deliberar sobre medidas administrativas?

A grande vantagem do comitê é essa: tudo é feito de forma conjunta. Enquanto o Ministério Público cuida da área criminal, a Procuradoria Geral do Estado cuida da cobrança dos tributos e a Fazenda cuida de aferir quem está devendo, sendo que essa investigação passa pelos três entes estaduais. Cada qual tem uma função, mas o importante é a harmonia entre eles. Então, quando nós deflagramos uma operação, ao mesmo tempo em que PGE está tomando as providências no campo do Executivo fiscal, a Fazenda levantou o débito e o MP está cuidando da parte da sonegação fiscal estruturada. O grande mote do comitê é identificar e reprimir a fraude fiscal estruturada, porque são verdadeiras organizações criminosas trabalhando para fraudar o Fisco estadual. Acho que justamente cada ente atuando dentro da sua esfera de competência, de atribuição, mas de forma harmônica, é isso que traz esse resultado expressivo na nossa avaliação.
 

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