"Fim do estado de emergência em saúde criou um vazio jurídico nas relações trabalhistas", diz advogada
Advogada trabalhista Juliana Erbs orienta sobre o que as empresas podem fazer ou não em relação a normas sanitárias e de segurança enquanto a legislação não é atualizada
Posso liberar meus funcionários em relação ao uso obrigatórios das máscaras? Gestantes que estavam em home office devem voltar ao trabalho presencial? A portaria do Ministério da Saúde que pôs fim ao estado de emergência em saúde pública por conta da covid-19 trouxe muitas dúvidas ao ambiente corporativo.
A portaria, assinada pelo ministro da saúde Marcelo Queiroga no último dia 22 de abril, só passa a valer no próximo dia 22 de maio. Apesar disso, a nova diretriz já modificou a forma como a doença está sendo tratada no Brasil, com estados e municípios liberando o uso de máscaras na maioria dos locais fechados e em todos os ambientes abertos, além de relaxar vários cuidados preventivos adotados durante a fase mais crítica da pandemia. O que o governo ainda não regulamentou foi a legislação trabalhista específica criada para orientar empregadores e funcionários durante a pandemia.
GENÉRICA
"Via de regra, a gente ainda está em estado de emergência em saúde, nós só vamos sair formalmente desse estado a partir de 22 de maio próximo", explica a advogada Juliana Erbs, advogada especialista em Direito do Trabalho e Relações Sindicais do escritório Da Fonte Advogados. Ela explica que somente quando a portaria estiver efetivamente em vigor é que deverá haver uma série de alterações na legislação trabalhista. "Até porque a portaria do Ministério da Saúde é bastante genérica. Ela diz, por exemplo, que estados e municípios ainda serão orientados como proceder em relação ao fim do estado de emergência", observou.
Sem o fim, de fato, do estado de emergência em saúde, para Juliana Erbs, continua vigente a Medida Provisória 1.109 que autorizou, entre outros pontos, os empregadores a adotarem o teletrabalho, antecipar férias ou feriados e instituiu até o auxílio emergencial para funções específicas. "Essa MP foi renovada em 25 de março último e tem validade para 90 dias, ou seja, ela terá validade após o dia 22 de maio, quando termina o estado de emergência. A gente estima que no período de transição, desde o dia 22 de abril, quando a portaria foi assinada pelo ministro, até a sua efetivação, em 22 de maio certamente virão outras normas regulamentando a questão do trabalho. Até porque a portaria é genérica, não é específica, estabelece apenas normas sanitárias", diz Juliana.
VIDA REAL
Na teoria, deveriam permanecer valendo no ambiente de trabalho todos aqueles protocolos sanitários e de segurança como, dispor de álcool em gel, uso de máscara nos locais onde ainda é obrigatório, uso de tapetes higienizantes, manter distância entre as pessoas, e outros, até que venham normas regulamentando essa portaria. Apesar disso, Juliana diz que é legítima a flexibilização adotada pelo governo do estado ao desobrigar o uso da máscara em locais fechados, como estabelecimentos comerciais, e mantê-la em escolas e unidades de saúde, mas a orientação da advogada para os empregadores é que continuem seguindo protocolos. "O estado tem autonomia para definir essas diretrizes, mas, em se tratando de matéria trabalhista, os estados e municípios são vinculados ao que for definido pelo governo federal que é quem tem competência para atuar em matéria trabalhista", explicou.
GESTANTES
Em relação a situação das gestantes, uma polêmica está criada. Com a pandemia, muitas delas passaram a trabalhar remotamente. As gestantes estão protegidas pela lei 14.311 que autorizou, entre outras coisas, o retorno presencial delas, desde que tivessem imunização completa ou que assinassem um termo de compromisso, no caso de quem recusar a vacinação. "Esta lei tem uma particularidade, está expresso no texto que ela só tem validade enquanto durar o estado emergência, ou seja, como ela tem essa vinculação, a gente entende que ela estaria revogada a partir de 22 de maio próximo. A partir dessa data o empregador poderá exigir que a gestante retorne ao trabalho presencial, mesmo que ela não tenha a vacinação completa ou se recuse a tomar a vacina, mesmo até que ela não assine o termo de compromisso", explicou Juliana.
A advogada acredita que, antes do dia 22 de maio, deve aparecer uma norma que regularize o trabalho das gestantes, já que o fim do estado de emergência não significa o fim da pandemia. Mas, se nenhuma norma neste sentido for criada, a gestante não terá mais direito a home-0ffice. "O empregador pode, no entanto, optar por uma jornada de trabalho híbrida, cumprida parte presencialmente na empresa e parte na residência do funcionário, mas esta jornada precisa ser formalizada através de um contrato, já que o teletrabalho está regulamentado no País desde 2017", pontuou.
ESTADO
A falta de uma norma específica que oriente o empregador quanto às regras que devem ser seguidas com o fim da emergência em saúde fez com que cada empresa tomasse suas decisões baseadas em diretrizes próprias. A advogada não vê problemas quanto às empresas que deixaram a cargo do funcionário usar ou não usar máscaras, por exemplo. "Muitos funcionários ainda não se sentem seguros em abandonar a máscara, então tudo bem que ela continue sendo usada por quem quiser", avaliou.
No início deste mês, o governo federal publicou uma portaria interministerial, assinada pelos ministros Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Marcelo Queiroga (Saúde), desobrigando o uso e fornecimento de máscaras em empresas estabelecidas em cidades ou Estados que já liberaram a população do uso do item de proteção em locais fechados. Para a advogada Juliana Erbs, a empresa só não pode obrigar o empregado a usar máscara, ou a não usar.
O que existe no momento são medidas provisórias com efeitos transitórios de, no máximo, 120 dias. Se o governo federal não editar normas trabalhistas específicas, as relações vão continuar em um ambiente de insegurança jurídica. "O que pode acontecer é o empresário acabar mantendo protocolos de segurança em saúde que não seriam mais necessários ou então abolir todos os protocolos. Seria uma temeridade, por exemplo, o empregador deixar de cumprir os protocolos de quarentena e isolamento com empregados que cheguem ao trabalho apresentando sintomas gripais", conclui Juliana Erbs.