São 14h de sábado, 07 de março de 2020. Bermuda, tênis e camisa azul no corpo. Nada vermelho, branco e preto. O carro fica em casa. O horário é pensado. Antes disso os vídeos das brigas entre as uniformizadas já circulavam no WhatsApp. Talvez seja melhor sair um pouco mais tarde que o comum para um jogo às 16h. Foi o que fiz. Celular na mão, é hora de chamar o motorista de aplicativo. Endereço? Ilha do Retiro, palco do Clássico das Multidões pela Copa do Nordeste, certo?. Nada disso. Descer na frente da sede do Sport sem minha tão amada camisa do Santa Cruz é prenúncio de problema. Estar sem o pavilhão clube é também estar identificado. O problema é menor que estar trajado nas três cores, claro, mas ele ainda existe.
Nas proximidades do Centro de Convenções, um grupo de torcedores do Sport a caminho da Ilha do Retiro. Alguns deles, como mostra no vídeo, estão com a regata na cor amarela. Duas viaturas da Polícia Militar estavam na frente do grupo. pic.twitter.com/C6lIyqZkbM
— Blog do Torcedor (@blogdotorcedor) March 7, 2020
Portanto, chegada à Ilha pela Joana Bezerra. Olhos atentos ao descer do carro. Ali, tecnicamente, só estará a torcida tricolor. Ao dirigir-me à rua da torcida visitante a tensão diminui um pouco. Visto a camisa da cobra que levei escondida e aguardo o horário do jogo se aproximar. Às 15h a tensão volta a se elevar. Aponta na esquina a torcida organizada. Entrar no estádio ou não entrar? Falta mais de uma hora para o jogo começar! E convenhamos que o calor do Recife não está para brincadeira. Vou ao encontro da lógica e permaneço fora da Ilha sentado, curtindo uma sombra. Quando a multidão dos organizados de fato chega, me apresso em entrar. Olhos olhando para todos os lados possíveis. Não é fácil nem mesmo no local que deveria ser mais familiar.
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No jogo os cânticos são os mesmos. As organizadas seguem da mesma forma que sempre foram. A violência literal não está ali. Mas nas entrelinhas, nos cantos, nas expressões ela nunca saiu. No campo, um clássico fraco tecnicamente. A derrota se desenha pra lá dos 30 do segundo tempo e a cabeça imediatamente "vira a chave" e começa a pensar na volta. Por onde sair?
A partir daí, se você quiser voltar são e salvo para casa, vai precisar de um teste de paciência. Meia hora dentro do estádio. Ao sair, apenas uma opção: a Ilha de Joana Bezerra, tradicional palco de brigas homéricas entre as organizadas. Para o outro lado só após a liberação da polícia, que acontece às 19h. Daí então é novamente a camisa azul no corpo e uma longa caminhada até o Derby, onde consigo fazer um lanche e tomar um transporte de volta para casa. Ir a um clássico não é mais somente uma decisão individual, casual, que "deu vontade". É preciso estratégia, cuidados redobrados. Vale para Ilha, Arruda, Aflitos, Arena. De visitante parece não ter outra forma de agir. É o único jeito. É como dá. É como eles permitem que seja.
Elton Ponce é editor-executivo do NE10 e torcedor do Santa Cruz*
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