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União Europeia iniciou ontem uma ação legal contra o
Reino Unido por violação dos termos do Brexit. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que o governo do país foi notificado formalmente sobre um projeto de lei aprovado pelo Parlamento - que os próprios britânicos admitem que infringe a lei internacional. Bruxelas deu ao primeiro-ministro, Boris Johnson, até o final de setembro para retirar as cláusulas contenciosas do projeto de lei.
Na terça-feira, os deputados britânicos aprovaram a chamada Lei do Mercado Interno, que altera o acordo do Brexit assinado com a UE no final de 2019 e põe em risco as atuais negociações comerciais entre o Reino Unido e o bloco europeu.
A questão novamente está ligada à fronteira entre a Irlanda do Norte, território britânico, e a Irlanda, membro da UE. A região vivia em pé de guerra até que o Acordo de Sexta-Feira Santa, de 1998, colocou um ponto final em três décadas de violência entre católicos e protestantes.
Parte do sucesso do acordo daquela época vinha do fato de o Reino Unido e da Irlanda terem entrado na Comunidade Econômica Europeia, em 1973. O mercado comum criou, ao longo dos anos, uma interdependência econômica entre as duas Irlandas e a fronteira física deixou de ter uma função prática.
Pelo Acordo de Sexta-Feira Santa, o governo britânico se comprometia a não restaurar postos de checagem entre os dois territórios. No entanto, o Brexit, aprovado em 2016, criou um impasse. Se deixasse a UE e adotasse uma política comercial própria, o Reino Unido teria de restabelecer o controle de sua única fronteira terrestre com o bloco: a Irlanda do Norte - e, portanto, violar o acordo de 1998.
Nos termos do Brexit, assinados em janeiro, Johnson concordou em manter o comércio aberto entre as duas Irlandas, o que na prática arrastava para o Mar da Irlanda a fronteira entre Reino Unido e UE. Nacionalistas britânicos e, principalmente, os norte-irlandeses que defendem a união com o Reino Unido, diziam que o documento, na prática, significava a reunificação das Irlandas.
Durante a pandemia, no entanto, o governo britânico mudou de ideia e resolveu aprovar no Parlamento a Lei do Mercado Interno, que dá a Londres o direito de ignorar o que havia sido acertado com a UE em longas e arrastadas negociações.
Bruxelas comparou a manobra do governo britânico a "negociar com uma arma na mesa". A decisão da UE, anunciada ontem, é o início de um longo processo que pode acabar no Tribunal de Justiça Europeu (TJE). A corte da UE, com sede em Luxemburgo, pode impor multas diárias ao Reino Unido por violações contínuas.
O governo britânico, durante as negociações do Brexit, havia se comprometido a aceitar as decisões do TJE em casos que começassem antes da conclusão da transição, em 31 de dezembro deste ano, e nos quatro anos seguintes. Ontem, um porta-voz do governo disse ao jornal The Guardian que Londres recebeu a notificação.
"Responderemos à carta no devido tempo. Expusemos claramente nossas razões para a introdução das medidas relacionadas com a Irlanda do Norte. Precisamos criar uma rede de segurança jurídica para proteger a integridade do mercado interno do Reino Unido, garantir que os ministros sempre possam cumprir suas obrigações com a Irlanda do Norte e proteger o processo de paz."
O ministro britânico do Comércio, Alok Sharma, disse que a coesão do mercado interno do Reino Unido é a "base da prosperidade social e econômica do país". Segundo Sharma, o governo está determinado a manter os fluxos comerciais "livres de barreiras entre as diferentes partes do Reino Unido".
No mês passado, Johnson disse que se Londres e Bruxelas não chegarem a um acordo sobre sua futura relação comercial até 15 de outubro, o Reino Unido finalizará a saída do bloco sem pacto quando o período de transição terminar, em 31 de dezembro. Agora, possibilidade de um Brexit duro, sem acordo, é cada vez mais real.