Talibã tenta consolidar governo; operações de retirada são retomadas no Afeganistão
Na quinta-feira (9), um avião com mais de 100 estrangeiros e afegãos a bordo pousou em Doha, no Catar
Na véspera do aniversário de 20 anos dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos (EUA), que significaram o fim de seu regime no Afeganistão, o Talibã tenta consolidar novamente seu poder no país, onde foram retomados os voos de retirada de cidadãos.
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Na quinta-feira (9), um avião com mais de 100 estrangeiros e afegãos a bordo pousou em Doha e outro voo com destino ao Catar está previsto para esta sexta-feira.
As pessoas retiradas na quinta-feira foram as primeiras que conseguiram sair do país desde o fim das caóticas operações que permitiram a fuga de 123.000 pessoas em duas semanas, antes da conclusão da saída das tropas estrangeiras do Afeganistão.
A retomada dos voos concretiza uma promessa feita pelos talibãs aos interlocutores estrangeiros, segundo o secretário de Estado americano, Antony Blinken: que as pessoas que desejam deixar o país serão autorizadas.
Nesta sexta-feira, afegãos compareceram às imediações do aeroporto com a esperança de embarcar em um voo e fugir dos talibãs.
"Se eu não posso ir embora, me mata agora", disse uma mulher acompanhada por seus filhos aos combatentes talibãs que bloqueava a passagem.
"Eu sou talibã e não mato as pessoas. Não compreendo. Por quê não ficam e trabalham? Isto é loucura", respondeu um comandante do grupo na entrada do aeroporto.
O governo dos Estados Unidos reconheceu na quinta-feira que o Talibã mostrou "flexibilidade" e foi "profissional" na organização dos voos.
Não se sabe como o movimento islamita, que anunciou esta semana a formação de seu governo, recordará no sábado o 20º aniversário dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, que marcaram o início da ofensiva americana que acabou com seu regime anterior (1996-2001).
Informações não confirmadas indicam que o Talibã organizará uma cerimônia de posse do novo governo - que provoca receio na comunidade internacional, que não o considera representativo da sociedade afegã por estar integrado apenas por talibãs homens da etnia pashtun.
Nos Estados Unidos, o aniversário terá um gosto amargo: o país perdeu 2.500 soldados em 20 anos de presença militar no Afeganistão e gastou quase dois trilhões de dólares no país, que acabou retornando para as mãos daqueles que haviam sido expulsos do poder em 2001 em questão de semanas.
Na memória de muitos afegãos, o 11 de setembro é recordado com a morte de Ahmad Shah Masud, herói da resistência durante a invasão da União Soviética nos anos 1980 e contra o Talibã, assassinado pela Al-Qaeda em 9 de setembro de 2001.
Após alguns dias, os afegãos ficaram sabendo que a Al-Qaeda e seu líder, Osama bin Laden, que vivia escondido no país, haviam organizado os atentados.
Washington culpou o Talibã, que estava no poder desde 1996, de proteger a Al-Qaeda.
"Não pensei que os Estados Unidos atacariam o Afeganistão em represália pelo que aconteceu" recorda Abdul Rahman, um ex-funcionário público. "Eu pensava que os Estados Unidos ficavam muito longe".
Diante da recusa do Talibã de entregar Bin Laden, as tropas dos Estados Unidos invadiram o Afeganistão à frente de uma coalizão e em poucas semanas derrubaram o regime islamita
"Buscaram uma desculpa para invadir o Afeganistão. Era uma desculpa para ocupar esta terra", acusa Abdul Samad, bibliotecário de Kandahar (sul).
Em uma entrevista à AFP o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu à comunidade internacional que mantenha o diálogo com os islamitas, ao destacar que é necessário evitar um colapso econômico e a morte de milhões de pessoas.
"Devemos manter um diálogo com os talibãs, no qual afirmaremos diretamente nossos princípios, um diálogo com um sentimento de solidariedade com o povo afegão", disse.
"Nosso dever é estender nossa solidariedade a um povo que sofre muito e onde milhões e milhões correm o risco de morrer de fome", acrescentou Guterres.
As conversações são imprescindíveis "se queremos que o Afeganistão não vire um centro de terrorismo, se queremos que as mulheres e as meninas não percam todos os direitos adquiridos durante o período anterior, se queremos que os diferentes grupos étnicos possam sentir-se representados", insistiu.
A ONU denunciou nesta sexta-feira a violenta repressão de manifestações pacíficas no Afeganistão por parte dos talibãs, nas quais morreram ao menos quatro pessoas.
"Pedimos aos talibãs que parem de usar a força e as detenções arbitrárias, imediatamente, contra aqueles que exercem seu direito de protestar pacificamente e contra os jornalistas que cobrem essas manifestações", declarou Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Ela recordou ainda que proibir as manifestações, como o Talibã fez esta semana, "constitui uma violação do direito internacional".