Talibãs fazem alerta aos Estados Unidos em primeira reunião após retirada do Afeganistão
Os talibãs alertaram os Estados Unidos para não "desestabilizar" o novo regime do Afeganistão, no primeiro encontro presencial entre os dois lados, realizado neste sábado (9)
Os talibãs alertaram os Estados Unidos para não "desestabilizar" o novo regime do Afeganistão, no primeiro encontro presencial entre os dois lados, realizado neste sábado (9) em Doha, desde a retirada das forças americanas.
A reunião foi realizada um dia após um atentado suicida reivindicado pelo Estado Islâmico (EI) no norte do Afeganistão que deixou pelo menos 60 mortos, o mais devastador desde a saída das tropas americanas, em 30 de agosto.
"Dissemos claramente que tentar desestabilizar o governo do Afeganistão não é bom para ninguém", declarou o ministro das Relações Exteriores do Talibã, Amir Khan Muttaqi, à agência estatal afegã Bakhar.
"Um bom relacionamento com o Afeganistão é bom para todos. Nada deve ser feito para enfraquecer o governo atual do Afeganistão, que pode liderar a busca por soluções aos problemas de seu povo", completou, em declarações gravadas e traduzidas pela AFP.
Os Estados Unidos não comentaram as declarações do ministro talibã, após o primeiro dos dois dias de reuniões.
A delegação americana é chefiada pelo representante especial para a Reconciliação do Afeganistão, Tom West, e por Sarah Charles, principal funcionária humanitária da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
"Pressionaremos os talibãs para que respeitem os direitos de todos os afegãos, incluindo mulheres e meninas, e para que formem um governo inclusivo com amplo apoio", declarou na sexta-feira um porta-voz do Departamento de Estado ao anunciar a reunião.
A volta dos talibãs ao poder em meados de agosto coincidiu com a caótica retirada das tropas americanas, no final do mesmo mês, após vinte anos de ocupação.
A reunião em Doha não significa que os Estados Unidos reconheçam o regime talibã no Afeganistão, insistiu o Departamento de Estado.
Os fundamentalistas islâmicos buscam reconhecimento internacional e ajuda estrangeira para prevenir um desastre humanitário e aliviar a crise econômica do Afeganistão.
Enterro em Kunduz
Também neste sábado, um grande cemitério de Kunduz, no norte do Afeganistão, acolheu os funerais das vítimas do atentado que o grupo Estado Islâmico (EI) cometeu na véspera contra uma mesquita xiita da cidade e que deixou pelo menos 60 mortos.
Um coveiro informou à AFP que 62 sepulturas foram cavadas após o ataque, cujo saldo final pode se aproximar de uma centena de mortos.
De acordo com o grupo terrorista, o homem-bomba era conhecido como "Mohamed, o uigur", o que implica que fazia parte da minoria muçulmana chinesa, alguns de cujos membros se juntaram ao EI.
O Talibã, que agora governa todo o país, prometeu proteger todas as comunidades, mas os xiitas de Kunduz estão traumatizados com o ataque.
A comunidade xiita do país (10-20% da população) costuma ser alvo de grupos armados sunitas, que consideram os xiitas "hereges".
Um dia após o massacre, os pais de um jovem de 17 anos, Milad Hussein, compareceram ao funeral de seu filho, sem conseguir conter as lágrimas. Seu tio, Zemarai Mubarak Zada, garantiu que seu sobrinho queria ser médico, como ele.
"Ele era um jovem tranquilo, falava pouco", confidenciou seu tio à AFP. "Ele queria ir para a faculdade, se casar. Estamos arrasados".
Após uma oração, os coveiros enterraram o caixão, diante do olhar atento de seus parentes aflitos.
Uma cena que se repetiu dezenas de vezes neste cemitério com vista para Kunduz.
"Assustador"
Imagens do ataque mostravam destroços espalhados dentro da mesquita, cujas janelas foram destruídas pela explosão.
Em outras fotos, vários homens aparecem carregando um corpo envolto em um lençol ensanguentado para uma ambulância.
"Foi muito assustador", enfatizou um professor de Kunduz que mora perto da mesquita. "Muitos de nossos vizinhos morreram ou ficaram feridos. Um jovem de 16 anos perdeu a vida e eles não conseguiram encontrar metade de seu corpo", acrescentou.
Aminullah, cujo irmão estava na mesquita, contou que quando ouvi a explosão ligou para meu irmão, "mas ele não respondeu". "Fui à mesquita e o vi ferido e desmaiado. Rapidamente o levamos para o hospital da MSF [Médicos Sem Fronteiras]", explicou.
Para Michael Kugelman, especialista em Sudeste Asiático do gabinete Woodrow Wilson International Center for Scholars, será difícil para o Talibã consolidar seu poder se não abordar a questão do terrorismo e da crescente crise econômica no país.
"Se o Talibã, como é provável, não for capaz de lidar com essas preocupações, terá dificuldade em obter legitimidade interna e poderemos testemunhar o surgimento de uma nova resistência armada", disse à AFP.