Guerra: por que a Rússia está atacando a Ucrânia?
Conflito entre os dois países tem várias camadas e envolve diversos eventos históricos; entenda
A invasão da Ucrânia pela Rússia desde as primeiras horas desta quinta-feira (24) deixou muitas pessoas ao redor do mundo sem entender os motivos do conflito. Desde sua independência em 1991, a Ucrânia oscila entre o Ocidente e a Rússia, vizinho que, nos últimos anos, tem manifestado repetidamente sua oposição à aproximação da ex-república soviética da União Europeia (UE).
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Nesta quinta, a Rússia invadiu a Ucrânia e promoveu bombardeios contra alvos militares em Kiev (capital), Kharkiv e outras cidades no centro e no leste. De acordo com o ministério da Defesa da Rússia, o presidente Vladimir Putin autorizou uma "operação militar". Em mensagem transmitida na televisão, Putin prometeu retaliação a quem interferir na operação. "Qualquer um que tente interferir conosco, ou mais ainda, criar ameaças para nosso país e nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e o levará a consequências como você nunca experimentou em sua história", declarou.
Saiba porque a Rússia está atacando a Ucrânia
O conflito entre os dois países tem várias camadas e envolve diversos eventos históricos, desde a época em que a União Soviética ainda existia. Uma das razões que ampliou a escalada da Rússia contra a Ucrânia recentemente foi a possibilidade do país passar a integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A aliança militar conta, em sua maioria, com países da Europa e da América do Norte.
"Acabamos tendo as expansões da Otan a partir de 1999, quando englobam a Polônia, a República Tcheca e a Hungria, e depois vão ter novas expansões: 2004, 2007, 2008, 2012, e a última expansão, a mais recente, foi em 2020, englobando a ex-República Iugoslávia de Montenegro. Isso fez com que a Rússia entrasse num sentimento de humilhação nacional e não foi capaz de estabelecer linhas na Europa para que houvesse um pleno entendimento de ambas as partes, para que houvesse um respeito mútuo ao equilíbrio estratégico firmado na Guerra Fria. Então essa política reativa de Putin, reativa até 2008, vai acabar dando lugar a uma política assertiva, proativa, onde o Putin busca desenhar essas novas linhas na Europa para dissuadir qualquer expansão da Otan", explica o geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Tito Lívio Barcellos.
Confira uma linha do tempo com os eventos marcantes da história entre a Rússia e a Ucrânia:
Independência
Em 1º de dezembro de 1991, ainda integrada à então União Soviética (dissolvida em 25 de dezembro de 1991), a Ucrânia vota, em um referendo, a favor da independência. O resultado desta consulta foi imediatamente reconhecido pelo então presidente russo, Boris Yeltsin.
Em 8 de dezembro, Rússia, Ucrânia e Bielorrússia (que se tornará Belarus) assinam um acordo que estabelece uma Comunidade de Estados Independentes (CEI). Nos cinco anos seguintes, porém, a Ucrânia tentará se libertar da tutela política de seu grande vizinho, iniciada há três séculos.
A Ucrânia não se compromete totalmente com a CEI, percebida como uma estrutura dominada pela Rússia, que tenta agregar as ex-repúblicas soviéticas.
Em 5 de dezembro de 1994, Rússia, Ucrânia, Belarus, Cazaquistão, Estados Unidos e Reino Unido assinam o Memorando de Budapeste sobre garantias de segurança.
Nele, os signatários se comprometem a respeitar a independência, a soberania e as fronteiras da Ucrânia, em troca do abandono das armas atômicas herdadas da União Soviética.
Tratado de Amizade
Em 31 de maio de 1997, Rússia e Ucrânia assinam um tratado de amizade e cooperação, que não elimina, porém, a ambiguidade das relações de Kiev com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
O Kremlin se opõe fortemente a que Ucrânia, ou qualquer outra ex-república soviética, ingresse na Aliança Atlântica.
O tratado e os textos anexos resolvem, em particular, a espinhosa disputa sobre a distribuição da antiga frota soviética no Mar Negro, ancorada em Sebastopol, na Crimeia.
A Rússia mantém a propriedade da maioria dos navios, mas pagará à Ucrânia um aluguel modesto pelo uso do porto de Sebastopol.
À época principal parceiro comercial de Kiev, a Rússia manterá, contudo, sua "arma econômica" frente à Ucrânia, muito dependente do petróleo e do gás russos.
Em 2003, Kiev assina um acordo para a criação de um Espaço Econômico Comum com Rússia, Belarus e Cazaquistão.
A União Europeia reage, afirmando que o acordo pode dificultar a aproximação da Ucrânia com o bloco e sua integração à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Um presidente pró-Ocidente em Kiev
Em novembro de 2004, o candidato pró-Rússia Viktor Yanukovych vence a eleição presidencial na Ucrânia, denunciada como fraudulenta pela oposição. Uma mobilização em massa, a chamada Revolução Laranja, consegue que a eleição seja anulada pela Suprema Corte.
Em 26 de dezembro, o líder da Revolução Laranja, o opositor pró-Ocidente Viktor Yushchenko, que sofreu um misterioso envenenamento durante a campanha, abre uma nova era política no país. Põe fim aos dez anos de Presidência de Leonid Kuchma (1994-2005), que pendulava entre UE e Moscou.
Yushchenko reitera a vontade da Ucrânia de aderir à União Europeia, apesar das objeções de Bruxelas e da OTAN.
Em 2008, na cúpula de Bucareste, os líderes dos países da OTAN concordam com que a Ucrânia tem vocação para ingressar na Aliança Atlântica, o que provoca a ira de Moscou.
Rússia e Ucrânia travam várias guerras político-comerciais. Uma delas foi a do gás, de 2006 a 2009, que interrompeu o abastecimento de energia da Europa.
A Revolta de Maidan
Em 2010, Viktor Yanukovych é eleito presidente e lança uma espetacular política de aproximação com a Rússia. Ele garante que a elaboração de um "acordo de associação" com a UE continua sendo a prioridade.
Em novembro de 2013, no entanto, Yanukovych se nega a assinar, no último minuto, o acordo com a União Europeia e reativa as relações econômicas com a Rússia. Esta mudança de política deflagra um movimento de protesto pró-Europa, que tem como símbolo a manifestação na Praça Maidan (Praça da Independência), em Kiev.
A rebelião termina em fevereiro de 2014 com a destituição e a fuga de Yanukovych para a Rússia, após a repressão do protesto de Maidan, durante a qual morreram cerca de 100 manifestantes e 20 policiais.
Anexação e guerra
Em resposta, as forças especiais russas assumem o controle da Crimeia, território que a Rússia decide anexar em março de 2014.
Em abril de 2014, separatistas russos ocupam os lugares mais importantes de Dombas, a região de língua russa do leste da Ucrânia. Uma nova guerra começa em maio. Desde 2014, este conflito causou a morte de mais de 14.000 pessoas.
Kiev e países ocidentais afirmam que a Rússia organizou a separação das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, em represália à guinada pró-Ocidente da Ucrânia.
'Operação militar'
Depois de concentrar dezenas de milhares de soldados em sua fronteira com a Ucrânia, o presidente Vladimir Putin reconhece, em 21 de fevereiro de 2022, a independência de Donetsk e de Lugansk e ordena o destacamento de tropas para estes territórios.
Na madrugada de 24 de fevereiro, Putin anuncia uma "operação militar" na Ucrânia, descrita pelo ministro ucraniano das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, como uma "invasão em grande escala".