Afeganistão

Talibã fecha colégios do ensino médio para afegãs pouco depois da reabertura

De acordo com uma fonte talibã entrevistada pela AFP, a decisão teria sido tomada após uma reunião de altos dirigentes realizada em Kandahar, berço do movimento fundamentalista islâmico que de fato governa o país

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AFP

Publicado em 24/03/2022 às 19:59 | Atualizado em 24/03/2022 às 21:34
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As adolescentes afegãs retornaram nesta quarta-feira (23) aos colégios do ensino médio, sete meses após a tomada de poder pelos talibãs, mas poucas horas depois do reinício das aulas os líderes do governo islamita determinaram o retorno das jovens para casa, em uma mudança política repentina que provocou grande confusão.

"Hoje, a promessa de um retorno à escola para milhões de mulheres alunas de ensino médio foi quebrada no Afeganistão. É um retrocesso enorme. O acesso à educação é um direito fundamental", disse no Twitter a chefe da Unesco, Audrey Azoulay.

"A Unesco reitera seu apelo: as mulheres devem ser autorizadas a voltar à escola sem prazos adicionais", insistiu Azoulay.

Os Estados Unidos também condenaram a decisão do Talibã nesta quarta-feira.

"Nós nos juntamos a milhões de famílias afegãs hoje para expressar a nossa profunda, profunda decepção e condenação com a decisão do Talibã de não permitir que mulheres e meninas voltem à escola após a sexta série", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price.

O ministério da Educação não deu qualquer explicação clara, apesar de, na capital, as autoridades terem organizado uma cerimônia para marcar o início do ano letivo.

"No Afeganistão, especialmente nas aldeias, as mentalidades não estão prontas", disse a repórteres o porta-voz do ministério da Educação, Aziz Ahmad Rayan. "Temos algumas restrições culturais, mas os principais porta-vozes do Emirado Islâmico vão oferecer melhores esclarecimentos", acrescentou.

De acordo com uma fonte talibã entrevistada pela AFP, a decisão teria sido tomada após uma reunião de altos dirigentes realizada na noite de terça-feira em Kandahar (sul), berço do movimento fundamentalista islâmico que de fato governa o país.

Uma equipe da AFP esteve no colégio Zarghona de Cabul, um dos maiores centros de ensino da capital, quando um professor entrou e ordenou que as alunas retornassem para casa. Abatidas, as estudantes reuniram seu material, entre lágrimas, e deixaram o local.

"Vejo minhas estudantes chorando e relutantes em deixar a aula", afirmou Palwasha, professora na escola para mulheres Omra Khan de Cabul. "É muito doloroso ver as suas estudantes chorando", acrescentou.

A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse em um comunicado que "compartilha a profunda frustração e decepção das estudantes afegãs".

Bachelet considerou a "incapacidade das autoridades de respeitar seu compromisso" como algo "profundamente prejudicial" ao Afeganistão.

A ativista paquistanesa Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz e ativista de longa data pela educação das mulheres, também expressou indignação.

O Talibã "continuará a encontrar desculpas para impedir que as meninas aprendam porque tem medo de meninas educadas e mulheres autogovernadas", disse Malala, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato do Talibã paquistanês quando tinha 15 anos.

Quando os talibãs tomaram o poder em agosto de 2021, as escolas estavam fechadas devido à pandemia de covid-19, mas apenas os homens e as mulheres do ensino básico foram autorizados a retornar às aulas dois meses depois.

A comunidade internacional considera o acesso das mulheres às escolas um ponto fundamental nas negociações de ajuda e reconhecimento do regime islamita, que em seu mandato anterior (1996-2001) proibiu a educação para as mulheres.

"Responsabilidade"

Nesta quarta-feira, a ordem de reinício das aulas não foi seguida de maneira igual em todo o país. Em Kandahar (sul), berço do movimento Talibã, o retorno estava previsto para o próximo mês.

Mas vários colégios abriram as portas na capital e em regiões como Herat ou Panshir, ao menos por algumas horas.

"Todas as estudantes que vemos hoje estavam muito felizes e com os olhos bem abertos", declarou à AFP Latifa Hamdard, diretora da escola Gawharshad Begum de Herat.

Os talibãs alegaram que precisavam de tempo para garantir que as jovens com idades entre 12 e 19 anos permaneceriam bem separadas dos homens e que os centros de ensino fossem administrados de acordo com os princípios islâmicos.

"Não abrimos as escolas para agradar a comunidade internacional ou para obter o reconhecimento do mundo", disse Ahmad Rayan, porta-voz do ministério da Educação.

"Nós fazemos isto como parte da nossa responsabilidade de fornecer educação e estruturas educacionais a nossas alunas", acrescentou.

Muitas estudantes estavam ansiosas para voltar às aulas, apesar dos códigos de vestimenta rigorosa que as obrigavam a cobrir quase todo o corpo. "Já estamos atrasadas em nossos estudos", reclamou Raihana Azizi, de 17 anos.

"Qual será o nosso futuro?"

Algumas famílias, no entanto, desconfiavam do governo Talibã e tinham medo de permitir a saída de suas filhas. Ou não veem sentido na educação das mulheres diante de um futuro sombrio para o trabalho das jovens.

Em sete meses de governo, os talibãs determinaram várias restrições às mulheres, que foram excluídas dos empregos públicos, enfrentam controles em sua forma de vestir e são impedidas de viajar sozinhas para fora de sua cidade.

O regime fundamentalista também prendeu várias ativistas que defenderam os os direitos das mulheres.

"As meninas que concluíram os estudos permanecem em casa e seu futuro é incerto", lamenta Heela Haya, que decidiu abandonar a escola. "Qual será o nosso futuro?", questiona a jovem.

"Por que você e sua família fariam enormes sacrifícios para estudar se nunca poderá ter a carreira com que sonha?", perguntou Sahar Fetrat, pesquisadora assistente da ONG Human Rights Watch.

Devido à pobreza ou ao conflito que devastou o país, os estudantes afegãos perderam grandes períodos dos anos letivos. Alguns continuam seus estudos até os 20 anos.

O país também enfrenta uma escassez de professores, depois que muitos fugiram ao lado de dezenas de milhares de afegãos após a tomada de poder pelos talibãs.

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