Machado de Assis hoje
"No capítulo XXXI de Esaúe Jacó, Machado já nos alertava para a necessidade de recebermos com atenção as notícias que nos chegam aos ouvidos, jamais descurando do senso crítico" Leia o artigo de Diego Reis
Todo segmento artístico, como a literatura, possui uma variada gama de tendências e representantes, que vão da superficialidade à genialidade. No segundo caso, as obras tendem a eternizar-se, por carregarem a nota da atemporalidade - é como se houvessem nascido na atualidade, apenas com as ressalvas do estilo e da tecnologia de cada época. Machado de Assis é um claro exemplo de gênio da literatura, cujo olhar crítico serve para apontar, ainda hoje, mazelas sociais e vícios de costume que, infelizmente, se perpetuam. Trago três exemplos: fake news, ostentação em redes sociais e meritocracia.
No capítulo XXXI de Esaúe Jacó, Machado já nos alertava para a necessidade de recebermos com atenção as notícias que nos chegam aos ouvidos, jamais descurando do senso crítico e da investigação sobre a fonte, a fim de evitar que inverdades viessem a moldar nosso entendimento. Embora numa época em que os meios de comunicação não tinham a dimensão de hoje, mostrava-se já perigosa a teia das notícias falsas, daí a afirmação de que “as orelhas da gente andam já tão entupidas que só à força de muita retórica se pode meter por elas um sopro de verdade.“
A verdade, aliás, costuma camuflar-se com um manto de invejável felicidade e perfeição quando se passeia pelas redes sociais, por meio das quais muitas pessoas ostentam momentos raros de uma vida supostamente desprovida de imperfeições. Se, para uns, isso serve de inspiração, para outros vem afirmar a pretensa mediocridade de suas rotinas, chegando mesmo a agravar processos de depressão e infelicidade. De toda forma, as coisas não são bem como parecem, e Machado já dizia que, “quanto ao jardim que se está fazendo, não te exponhas a vê-lo pelas costas; é pura lona velha sem pintura, porque só aparte do espectador é que tem verdes e flores" (Esaú e Jacó, capítulo XLVI).
Por fim e por ora, não passou despercebido ao nosso grande escritor que somente se deveria falar em meritocracia quando as chances e as condições de vida são oferecidas a todos de forma justa. Pessoas vindas das favelas, por exemplo, que chegam a alcançar postos sociais “privilegiados” e profissões letradas, são as exceções das exceções. Mais fácil e mais provável é que jamais cheguem a prescrever remédios e tratamentos, ou a dirimir, togadas, conflitos. O destino mais facilmente lhes reserva madrugadas em filas à espera de uma ficha de atendimento nos hospitais públicos ou, pior ainda, a sujeição às mazelas no nosso fracassado sistema prisional. Diante disso, Machado, em Helena, capítulo XXI, sentenciou que “na abastança é impossível compreender as lutas da miséria, e a máxima de que todo o homem pode, com esforço, chegar ao mesmo brilhante resultado, há de sempre parecer uma grande verdade à pessoa que estiver trinchando um peru”.
Diego Reis, Promotor de Justiça.