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O mínimo que você precisa saber sobre Olavo de Carvalho. Ou, quem é e quem não é filósofo

Ele costumava falar que à medida que se instala a debacle total de nossas universidades públicas e privadas, cresce o número de brasileiros, que, valentemente, buscam estudar com esforço próprio aquilo que lhe foi negado pelos governos e empresários educacionais inescrupulosos

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ANDRÉ VALENÇA

Publicado em 26/01/2022 às 16:08 | Atualizado em 26/01/2022 às 16:26
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Olavo Augusto Pimentel de Carvalho nasceu em Campinas-SP, logo após a II grande guerra, mais precisamente em 1947 e morreu no dia 24 próximo passado, curiosamente na mesma data que outro grande escritor conservador, Winston Churchill. Teve uma infância de menino pobre, com algumas limitações físicas como ele mesmo admitia, por não poder tratar adequadamente de sua visão e de seus dentes. Precocemente mostrou-se obstinado pela leitura, entendendo que sua redenção passava necessariamente pela instrução formal e por um esforço autodidata.

Uma biografia completa há de surgir. Desde jovem, até sua maturidade sempre foi meio recluso. Essa característica pessoal, contudo, não o impediu de tentar vários caminhos profissionais. Estudou astrologia, foi jornalista de vários jornais do eixo RJ/SP, iniciou sua formação em filosofia na PUC do Rio de Janeiro, que não chegou a concluir, devido à morte de seu mentor, o padre Stanislavs Ladusans. Seguiu como autodidata.

Penso, porém, que é sobre a análise de seus escritos que, são muitos, onde poderemos ter uma boa impressão de sua envergadura. Antes de tudo é preciso dizer que OC era um homem de fé. Como dizia José Inginieros “a fé se confirma no choque com as opiniões contrárias; o fanatismo teme vacilar diante delas e intenta afogá-las, enquanto agonizam as velhas crenças (O homem medíocre). Na juventude foi comunista. Depois, converteu-se e passou a ser um cristão e católico convicto. À esposa, com quem viveu muitos anos, fez declarações de amor dignas de um grande poeta. Teve 8 filhos e deixou vários netos.

O meu primeiro contato com os livros de OC foi com o Imbecil Coletivo (1996) que integra a trilogia junto com O Jardim das Aflições (1995) e A nova Era e a Revolução Cultural (1994). A sua leitura foi tão impactante que sofri uma espécie de epifania. O estilo sarcástico e bem humorado no tratamento de questões filosóficas clássicas e atuais, com frases cortantes, lembravam-me Paulo Francis, de quem fora amigo. Daí até sua morte recente, consegui ler cerca de duas dezenas de seus livros. Encontro-me lendo, atualmente, o seu Diário Filosófico (resumo de seus escritos entre 2013 e 2015) organizado por Stella Caymmi. Além de sua prolífica produção literária, ele também dominava as mídias e tornou-se influente por franquear seus vastos conhecimentos pela internet e seus famosos seminários de filosofia online.

No livro que escolhi para dar título a este artigo “Tudo que você precisa saber para não ser um idiota” (talvez seu maior sucesso de vendas) , organizado por Felipe Moura Brasil, tive a convicção de estar diante de um agudo pensador brasileiro. Abordando temas tão diversos como juventude, vocação, cultura, democracia, socialismo (conhece como poucos), militância, revoluções, educação, ciência, religião (especialista em religiões comparadas), linguagem, gêneros, libertação, e formas de estudo, o leitor tem um painel tão rico de fontes que cria uma interminável necessidade de conhecimento que acaba por romper a espiral do silêncio que, ora, dominava e imobilizava os conservadores brasileiros. Conceitos de guerra assimétrica, dissonância cognitiva, profecia auto-realizável e outros nos mostram as armadilhas que devemos evitar nos embates culturais e nos meios acadêmicos.

A Espiral do Silêncio (Elizabeth Noelle-Newmann) chega a ser um bálsamo para nossas almas antes atormentadas pelo silêncio dos bons. Através das citações de Olavo de Carvalho, conheci outros ícones do pensamento conservador mundial como: Roger Scruton (não era conhecido no Brasil), Theodore Darlrimple, Thomas Sowell, Ortega e Gasset, Czeslaw Miszlo, Louis Lavelle, Sertilange, Raymond Aaron, Eric Voegelin, Ludwig Von Mises, Mario Ferreira dos Santos, Otto Maria Carpeaux e outros. Desse modo, e por conta disso, costumava dizer “ser odiado por multidões de ignorantes é o preço de não ser um deles”. Ele costumava falar que à medida que se instala a debacle total de nossas universidades públicas e privadas, cresce o número de brasileiros, que, valentemente, buscam estudar com esforço próprio aquilo que lhe foi negado pelos governos e empresários educacionais inescrupulosos.

Platão costumava dizer que a desordem se instala numa sociedade quando muitas pessoas começam a galgar postos de importância e prestígio para os quais não têm a mais mínima qualificação, ou citando Yeats “The best lack all convictions, while the worst are full of passionate intensity”. Foi um crítico incansável do pensamento marxista. A partir dos textos de Joseph Gabel e Lyle Rossiter (A mente esquerdista) convenceu-se para além de Schelling que havia uma doença espiritual, stricto sensu, nas ideologias revolucionárias. Sobre a Inteligência asseverou em Diário e Fantasia, “a inteligência trabalha como uma espécie de ética. Não admite concessões, não tolera ruindades”.

E sobre um tema super-atual e nevrálgico ele dizia “Não se faz ciência acumulando opiniões convergentes, mas buscando laboriosamente a verdade entre visões diferentes” (Diário do Commércio, 25 de junho 2012) E, para endossar o subtítulo deste artigo, OC costumava dizer que para ser um filósofo, bastava ao aspirante dominar o Trivium, ler e procurar imitar o estilo dos clássicos, em ao menos três idiomas, estudar muito Aristóteles, Platão, Aquino, Leibniz, Schelling e Husserl , aprender o legado das escolas filosóficas alemã e austríaca da primeira metade do século 20, conhecer a história comparada de 2 ou 3 civilizações e, só então ler Marx, Nietzche e Foucault. Se mesmo assim, você se impressionar com estes três últimos, o seu caso não tem solução!!!

Claro, o professor (ele adorava, humildemente, ser chamado assim) colecionou desafetos, ganhou pechas, foi chamado pejorativamente de astrólogo e terraplanista e muitos outros termos nada enaltecedores. Mas como disse o dissidente russo Aleksander Soljenitsyn “Um escritor é o professor de seu povo. E um grande escritor é, por assim dizer, um segundo governo. Eis porque nenhum governo, em parte alguma, ama os grandes escritores, só os menorzinhos”. A essa altura, ele deve estar no céu com uma lista de questões complexas discutindo com os “grandes” as soluções mais verdadeiras dos profundos problemas humanos. Descanse em paz professor.

André Valença Guimarães, médico e professor da UFPE

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