O país já poderia estar, há meses e meses, em trilha de saída desta prolongada crise, quase decenal
De um lado, o "golpe de 2016". Do outro, a globalização e o neoliberalismo como óbices à caminhada "rooseveltiana" do "lulismo". Julgo que especular sobre uma possível derrota eleitoral da esquerda, em 2018 – se Dilma houvesse concluído o mandato – é, no mínimo, uma consideração a se pôr no prato.
A estagnação-recessão de 2014-2016 marca o início do mais delicado período da República brasileira nestes mais de 40 anos (desde 1981) e tem raízes no segundo mandato do governo Lula, quando se pretendeu que o ‘desenvolvimentismo’ traria a redenção da economia e do país. A base foi a ampliação do “consumo de massa”, via significativa expansão do crédito (que, por suposto, gera endividamento, o que pede permanência de um mercado de trabalho saudável). No âmbito da política, buscava-se impulso eleitoral para a incumbência de Dilma – como ponte para prolongamento da via ‘desenvolvimentista’, por mais 12, 16, 20 ou mais anos. O crescimento do PIB em 2010 (7,5%) foi então cantado como prenúncio de novos tempos. Reformas institucionais, modernizantes, não estavam na pauta. Veio o que vimos e o que estamos vendo.
Tal interpretação está bem assentada na literatura econômica e em instâncias políticas. Agora imagine-se que – com base nas evidências nítidas de crime de responsabilidade, desde 2019 – houvesse sido feito o impeachment do atual presidente. Imagine-se, também, que tal impedimento fosse fruto um arranjo parlamentar, com concertação política envolvendo representações de centro-direita, centro-esquerda, esquerda, sociedade civil organizada, e fração do empresariado que tem clareza sobre os perigos desta jornada iniciada em 2019. Teria sido algo bem fundamentado, inclusive no que respeita a irresponsabilidade fiscal (arrazoado para o impeachment de 2016). Oportunidades houve. O país já poderia estar, há meses e meses, em trilha de saída desta prolongada crise, quase decenal. Mas, a isso se daria a alcunha de “golpe”. Seria narrativa simétrica à do “golpe” de 2016. O fato é que não veio o que teria sido a melhor solução política para redução de danos multiplicadores de um atraso já insuportável.
Estas reflexões tiveram como gatilho minha volta a “Os sentidos do lulismo”, de André Singer, livro de 2012. Cientista político respeitado como um dos melhores quadros do PT. Gostei do esforço de crítica que ele faz da experiência daqueles anos 2000, embora eu tenha reservas com respeito à narrativa. E também apreciei a admissão, pelo autor, dos riscos de análise sobre um processo em curso, e do qual fez (e faz) parte. Entretanto, em ‘O lulismo em crise” (2018) a crítica não avança. De um lado, o “golpe de 2016”. Do outro, a globalização e o neoliberalismo como óbices à caminhada “rooseveltiana” do “lulismo”. Julgo que especular sobre uma possível derrota eleitoral da esquerda, em 2018 – se Dilma houvesse concluído o mandato – é, no mínimo, uma consideração a se pôr no prato. Poderíamos, por essa via, estar onde estamos. Falta muito para termos uma narrativa adequada, inclusive atentando-se para o que seria “luta de classes” neste capitalismo.
Tarcisio Patricio é economista, com 42 anos de magistério e pesquisa na UFPE.