No final dos anos 80 comecei o meu "estágio" profissional. Cumprida a jornada escolar matinal, as tardes eram passadas nas dependências do Judiciário, cuidando do acompanhamento dos processos do escritório dos meus pais. Era um ambiente mais humanizado, quando até adolescentes conseguiam ser recebidos pelos magistrados.
Eram dias sem azáfama, sobejando tempo para que quase todos os servidores entregassem mais empatia, alguns sorrisos e um atendimento mais caloroso aos jurisdicionados. Naquele ambiente mais "leve", pareciam todos ter a consciência plena de que cada processo é mais do que um mero número e de que, sob as suas capas acartonadas, havia os rostos dos envolvidos em dramas pessoais que eram judicializados na esperança da efetivação da justiça terrena.
Naqueles dias, juízes eram apenas juízes e o exercício efetivo da judicatura era algo intimista e quase solitário, sobrando tempo para o esmero qualitativo. A publicação de julgado em um dos prestigiados repositórios jurisprudenciais era o que afagava a vaidade de muitos magistrados.
Hoje, o volume avassalador de trabalho aboliu o romantismo. Com o Judiciário atolado em várias dezenas de milhões de processos, estes passaram a desfilar desmaterializados em infinitos bites nos sistemas informáticos, numa justiça cuja administração merece, em muitos aspectos, a adjetivação de "virtual". Premidos pelos órgãos de controle externo, todos os magistrados e servidores são submetidos a uma métrica de produtividade eminentemente quantitativa. Motivo de orgulho, agora, é estar nas cabeceiras dos relatórios de produtividade.
Na contemporaneidade, os magistrados passaram a ser primordialmente, e sem formação específica em administração, gestores das respectivas unidades judiciárias. Com isso, parte expressiva da atividade judicante teve de ser terceirizada aos assessores, contados por vezes às dezenas em alguns gabinetes. Aos tais colaboradores é confiada, em maior ou menor medida, a análise da franca maioria dos processos. O estudo do caso, o exame das provas produzidas e a redação de minutas são algumas das atribuições desses servidores que efetivamente exercem importantes juízos valorativos que outrora eram reservados aos juízes.
Muito bem. Nesse ambiente no qual gestão e eficiência são a ordem do dia, é importante pensar em alguns avanços evolutivos, sobretudo no que toca à governança. Já é passada a hora do Judiciário dirigir uma atenção adequada aos mais importantes auxiliares da justiça: os assessores. Isso passa por uma maior valorização da carreira, com a normatização dos preceitos éticos e a definição de direitos e deveres gerais. Considerada a crescente importância da atividade desempenhada por essa classe de servidores, é inadiável a preocupação com mais transparência no que toca à identificação formal dos auxiliares envolvidos na análise de cada processo.
Preocupa o aumento do número de relatos, ainda que incomprovados (obviamente vindos de outros estados e não de Pernambuco), acerca de relações espúrias havidas à revelia dos magistrados, quando favores pessoais, acadêmicos e congêneres seriam trocados entre assessores, partes e advogados, de modo a influir nos resultados dos julgamentos.
Cuida-se de velar por princípio básico de governança: ao jurisdicionado deve ser assegurada a possibilidade de conhecer a identidade daqueles envolvidos no processo decisório, inclusive para eventualmente delatar a existência de eventuais conflitos de interesse. Oportuno lembrar que a própria legislação processual prevê que o mesmo elenco de situações de impedimento ou suspeição que obrigam o afastamento de um juiz de determinado processo ou recurso são também aplicáveis aos auxiliares da justiça (art. 148 do Código de Processo Civil).
Contudo, no que toca a essa especial categoria de servidor, a arguição do conflito queda, na prática, inviabilizada. Hoje, pelo secretismo imposto, não se sabe quem é o assessor a quem é confiada a análise de cada processo. Ele pode ter relação íntima, pode ser inimigo e pode ser até parente de uma das partes, sem que tal circunstância seja potencialmente sindicável pelas partes. O jurisdicionado e a Justiça merecem, no ponto, mais publicidade e mais transparência.
Ronnie Preuss Duarte, advogado e ex-presidente da OAB-PE