A arte de bem comunicar-se e a vida jurídica
Convencer está na gênese do sacerdócio do advogado; é a sua saga incansável por persuadir através do verbo (palavra), o que precisa fazer com firmeza, mas sem desbordar da urbanidade; com veemência, mas com respeito; ao lado da ética, mas sempre reverenciando-a para além da ciência.
Confabulou certa vez Nelson Mandela que, "quando se fala com alguém em uma linguagem que esse alguém compreende, isso entra na cabeça dele(a); quando se fala com alguém em sua própria linguagem, atinge-se seu coração".
São os verdes campos da Oratória – que, como arte (por sinal antiquíssima) que é, se vê dominada por poucos, que não nascem sabendo-a, logicamente –a paisagem sonhada pelos que se aventuram a cultivá-la com a paciência das tartarugas, enfrentando as dificuldades pelo caminho, regando as raízes do seu aprendizado como se nutre uma planta com água pura, acertando e errando.
A Oratória forja, prepara, qualifica a apresentar-se em público, premissa que se deposita no próprio DNA da advocacia. Infelizmente não permeia as grades curriculares, mas se projeta em outra escola, a da vida, longe do romantismo de quando se é aluno tão somente. A preparação acadêmica não inclui tal treinamento. A prática, sim. Mas como o advogado deve se conduzir em atos judiciais como audiências e sessões de julgamento? Como deve entabular os termos de uma negociação vantajosa no interesse do cliente? Como deve manejar a "boa técnica"? São perguntas que me arriscarei a responder.
Na história do Direito dos povos, há diversos exemplos de vibrantes oradores perante as Casas de Justiça, sobretudo ligados ao foro criminal, em processos e com réus não raro impopulares. Só que o bom advogado é essencialmente um teimoso, que procura na simplicidade a construção da eloquência, não na erudição prepotente, mas que dribla a armadilha sedutora de achar que falar bem é o mesmo que falar difícil. Citando Heródoto Barbeiro, estou de pleno acordo: "a comunicação não se dá pela boca, mas pelas orelhas".
É um grave equívoco o autossugestionar-se de que falando e/ou escrevendo rebuscadamente, mergulhando de cabeça nas profundezas dos dicionários, se irá conseguir transmitir uma imagem de maior inteligência ou credibilidade. A história, do alto do seu posto de observação, mestra dos mestres, não peca pela dubiedade nesse quesito. Sempre prudente a percepção dos seus sinais.
Na história habita uma figura imperecível como Aristóteles, para quem ser bom orador é conquistar a habilidade, a aptidão e a competência para a descoberta de todas formas plausíveis para o convencimento de uma plateia sobre o assunto que for, pouco interessa o grau de desafio. O método aristotélico somava o ethos (o caráter do orador), o páthos (a emoção do auditório) e o logos (a argumentação). Até hoje funciona. Já na vivência de Demóstenes encontramos aquele que, mesmo com voz fraca e um nervosismo que o fez gago, nunca desistiu, devaneando de frente para o mar com pedras na boca, procurando fortalecer os pulmões, dominar a gagueira nervosa e perder o vício de levantar os ombros enquanto discursava, tornando-se o maior orador da Grécia Antiga.
Nas letras jurídicas brasileiras, tratar de Oratória é mencionar Rui Barbosa, mas é ir além dele, estando seguro de que é essencial reverter o desinteresse das instituições de ensino pelo tema, inclusive, como disciplina optativa.
Convencer está na gênese do sacerdócio do advogado; é a sua saga incansável por persuadir através do verbo (palavra), o que precisa fazer com firmeza, mas sem desbordar da urbanidade; com veemência, mas com respeito; ao lado da ética, mas sempre reverenciando-a para além da ciência, certo que o excesso de linguagem é o irmão siamês do abuso de direito e não prova de coragem e altivez.
Encerro com Schopenhauer, quando afirmou: "A autentica concisão da expressão consiste em dizer apenas, em todos os casos, o que é digno de ser dito, com a justa distinção entre o que é necessário e o que é supérfluo, evitando todas as explicações prolixas sobre coisas que qualquer um pode pensar por si mesmo. Em contrapartida, nunca se deve sacrificar à concisão a clareza, muito menos a gramática. Enfraquecer a expressão de um pensamento, obscurecer o sentido de uma frase para usar algumas palavras a menos é uma lamentável insensatez". Disse tudo, ao tudo, na sua reflexão, escrever. Escolho de livre e espontânea vontade seguir o filósofo alemão. Convido o leitor ao mesmo. E aí: vamos ou bora?
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado