OPINIÃO

A dor da espera

O estrondoso crescimento dos divórcios, observado no período pós-pandemia, aliado a outras disputas que tocam a esfera familiar, por si só, justificariam o emperramento na condução e resolução dessas pendências que não param de se avolumar no Judiciário?

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GISELE MARTORELLI

Publicado em 09/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 09/09/2023 às 11:21
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O clima de insatisfação que prevalece entre os escritórios de advocacia e seus clientes, atingindo também juízes e promotores de justiça das varas especializadas de família na capital pernambucana, é perceptível e tem razão de ser. Mais do que isso: tem solução. Para entendermos a situação, é importante retroagir a meados da década de 1980, quando existiam apenas quatro Varas de Família e duas de assistência judiciária, às quais competiam os assuntos relacionados à família e à assistência.

Eram tempos analógicos. Importante enfatizar porque embora os documentos fossem todos físicos, naquele ir e vir sem fim de papéis, os processos marchavam com celeridade. Nada ficava para depois. Juízes e promotores impulsionavam com maestria e cautela as demandas que lhes chegavam às mãos.

Em 2003, época da inauguração do suntuoso Fórum Rodolfo Aureliano, na Ilha Joana Bezerra, foram criadas mais quatro Varas de Família, no intuito de atender ao crescimento dos processos dessa natureza. Em contrapartida, foram extintas as varas da assistência judiciária, entendendo que seriam incorporadas à nova configuração expandida. Logo em seguida, diante da permanente demanda judicial das matérias abarcadas pelo direito de família, foram criadas mais quatro varas, totalizando 12 cartórios, que assim permaneceram ao longo de 20 anos. Mais recentemente, foram somadas duas novas varas. Ou seja, o Recife conta com 14 Varas de Família para atender as necessidades de seus cidadãos. Por que, então, as coisas não andam como deveriam?

O estrondoso crescimento dos divórcios, observado no período pós-pandemia, aliado a outras disputas que tocam a esfera familiar, por si só, justificariam o emperramento na condução e resolução dessas pendências que não param de se avolumar no Judiciário? A resposta é não.

São ações de alimentos e execuções; de guarda e convivência; investigação de paternidade, partilha de bens, sem falar das ações de interdições, que têm permanecido emperradas na expectativa do próximo ato processual. São vidas inteiras, integradas em núcleos complexos, às vezes desfeitos e refeitos, que entram em pausa, aguardando decisões que nunca chegam.

O caos instaurado, que tende a se agravar se não forem tomadas as devidas providências, tem como razão principal a falta de magistrados e promotores de justiça para ocupar os espaços tão necessariamente abertos. Um cartório, um tribunal, um escritório, uma Vara de família, ou qualquer local de atendimento à população, nada mais é do que um agrupamento de móveis e objetos quando não existe mão-de-obra qualificada a operá-los.

Despachos iniciais e básicos, que garantiriam o alimento à mesa para as crianças, podem consumir seis meses ou mais de espera. Clientes pulam de escritório em escritório, porque atribuem inoperância aos advogados que contrataram. Ou, também erroneamente, apontam o dedo para os servidores da Justiça, “que não trabalham”. Nada mais longe da verdade, aliás. De um lado e do outro.

Advogados familiaristas exasperam-se tanto quanto seus clientes com a lentidão dos processos no Judiciário. Adoecem junto com eles de ansiedade e frustração. Juízes e promotores titulares chegam a acumular responsabilidades de quatro varas ao mesmo tempo porque não são feitas nomeações que substituam os colegas que se aposentaram ou se tornaram desembargadores.

Atualmente, existem apenas oito magistrados titulares que se desdobram para atender as 14 Varas e, por vezes, até mais, quando um deles se ausenta em razão das merecidas férias ou por questões eventuais de saúde.
Um olhar mais sensível do Judiciário para a situação das Varas especializadas, priorizando-as quando da designação de novos Juízes, é crucial, uma vez que as vacâncias causam um efeito cascata de dor e ruptura na matéria mais sensível ao Direito: a família, nosso núcleo primeiro como entes sociais.

Gisele Martorelli, advogada

 

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