OPINIÃO

Os 35 anos da Constituição Federal de 1988 (2)

Passados 35 anos da Constituição de 1988, pode-se afirmar que as suas virtudes foram maiores que as suas discrepâncias, mesmo que muitas das suas disposições exijam um aperfeiçoamento adaptável à realidade social e política do país.

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Adeildo Nunes

Publicado em 12/10/2023 às 0:00 | Atualizado em 12/10/2023 às 6:16
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Numa tarde-noite memorável de 05.10.1988, no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília-DF, o então Deputado Federal Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte instalada em 1986, em rede nacional de rádio e de televisão, promulgaria uma nova Constituição Federal, oriunda do retorno triunfal do sistema democrático de governo, que jamais deveria ter sido interrompido. Durante o período da sua aprovação, pelo voto da maioria dos constituintes, como era de se esperar, diversificados temas relevantes foram objeto de discussão no seio dos elaboradores da nova Constituição. O grande dilema entre os constituintes, contudo, estava na discussão sobre a forma de governo, porque uns defendiam o presidencialismo, outros o regime parlamentarista.

Ao fim e ao cabo, porém, promulgada a nova Ordem Constitucional, findou que o modelo presidencial permaneceria vigente, mas um plebiscito nacional deveria ser realizado em 1993, no tocante à forma e ao sistema de governo que deveria vigorar no país. Realizado o plebiscito, a forma republicana e o sistema presidencialista foram escolhidos pelo voto popular dos brasileiros. As medidas provisórias, próprias do regime parlamentarista, aprovadas pelo novo Texto Maior, entretanto, permaneceram vigentes, embora se saiba que elas são próprias e adequadas ao sistema parlamentarista. A edição de medidas provisórias, pelo presidente da República, no mais das vezes, desde a promulgação da Constituição de 1988, tem sido realizada de maneira abusiva e em nada contribuem para o nosso incremento institucional e para a preservação da divisão dos Poderes.

O capítulo destinado aos direitos e garantias individuais, inserido no art. 5º da Carta de 1988, sem dúvidas, foi o grande avanço do texto aprovado, com destaque especial para a criação do habeas data, que tem a finalidade de assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do interessado, relativamente a dados constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. As defensorias públicas, destinadas a oferecer assistência jurídica aos necessitados, foi outra inovação de extremo relevo, sem contar que pela primeira vez na história constitucional brasileira, uma série de direitos aos presos foram reconhecidos, mesmo que na prática eles sejam comumente esquecidos e não consagrados.

O modelo federativo adotado, por outra via, regulamentou com maestria a autonomia dos Estados e dos Municípios em relação à União, definindo claramente as atribuições de cada um dos entes federados, impondo tratamento igualitário no que tange à autonomia legislativa, administrativa, fiscal e financeira, muito embora haja necessidade de redução de algumas modalidades de prerrogativas especiais que foram destinadas à União Federal.

O reconhecimento do direito à saúde, educação, moradia, previdência e assistência social para todos os brasileiros, foi outra decisão constitucional de extrema importância para o bem-estar de todos, independentemente do sexo, da cor e da religião de cada um dos necessitados. O capítulo destinado ao meio ambiente, outrossim, deu provas claras que o Brasil deve preservar a sua ecologia equilibrada, para o bem de todos e da plenitude da vida.

O fim das penas cruéis, a necessidade de utilização do devido processo legal nos processos criminais e administrativos, com a observância da ampla defesa e do contraditório, ao lado da regulação de que ninguém pode ser considerado culpado sem que haja o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (princípio da inocência), demonstraram para o mundo que a humanização das penas deve sempre ser considerada, mesmo que as prisões brasileiras não ofereçam as mínimas condições de recuperação daqueles considerados criminosos.

No que diz respeito ao Poder Judiciário, a criação do Superior Tribunal de Justiça, com sede em Brasília, destinado a harmonizar as decisões judiciais dos juízes e tribunais estaduais e federais, centralizou a padronização, em todo país, o controle concreto e abstrato em relação às decisões divergentes sobre uma mesma matéria, situação jurídica que era comum antes da sua implementação. As Escolas da Magistratura, objetivando a reciclarem e a preparação de novos juízes, surgiram em boa hora, e certamente de há muito contribuem para o aprimoramento pessoal, ético e jurídico dos nossos magistrados, sendo relevante afirmar que a Carta de 1988 tornou definitivamente o Ministério Público independente e essencial à Justiça.

Passados 35 anos da Constituição de 1988, pode-se afirmar que as suas virtudes foram maiores que as suas discrepâncias, mesmo que muitas das suas disposições exijam um aperfeiçoamento adaptável à realidade social e política do país.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor de Execuções Penais, Doutor e Mestre em Direito, Mambro da Academia Brasileira de Ciências Criminais - ABCCRIM

 

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