OPINIÃO

A lição aristotélica e os temas da paridade e da cota racial

Que se sopre alma na letra da Lei das Leis, mulheres e homens de todas as raças, ombreados na construção de uma sociedade daí em diante próspera.

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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Publicado em 18/06/2024 às 0:00 | Atualizado em 18/06/2024 às 10:28
Notícia

Atribui-se a Aristóteles ("Ética a Nicômaco") o ensinamento de que a virtude é o meio termo entre o excesso e a ausência. Discípulo de Platão, ele acreditava que, no indivíduo virtuoso, habita a justa medida entre os extremos. Logo, entre a covardia e a temeridade, a virtude estaria na coragem, e, entre a apatia e a irascibilidade, na calma.

Remontam a séculos as lutas por paridade de gêneros e por democracia racial, o que se projeta sobre o sistema de Justiça. As sub-representações do negro e da mulher são inegáveis nessas sendas. Reagir a tamanho absurdo exige uma ação iluminista perseverante, que mostre que não se pretende a hegemonia, nem cultura do "cancelamento", mas equilíbrio, tanto quanto na síntese da própria Têmis, Deusa da Justiça da mitologia grega. Só para se ter uma ideia, duas informações: 1) projeção do Fórum Econômico Mundial de 2023 indica que necessitaremos de 169 anos só para alcançar a paridade econômica global entre homens e mulheres; 2) em 132 anos, o STF teve apenas três Ministras (nenhuma negra) e três homens negros.

O Plenário do CNJ, nesse contexto, não só possui importante diagnóstico étnico-racial indicando que só 1,7% da magistratura se identifica como de pessoas pretas, quando existe em vigor desde 2015 uma Resolução (203) dispondo sobre a reserva das vagas nos concursos públicos para Juiz, como, em relação à mulher, aprovou a Resolução 525/2023, que alterou outra de 2010 ao dispor sobre ação afirmativa de gênero, garantindo às juízas de 1º Grau acesso aos Tribunais de 2º grau pelo critério de merecimento. Sabe aquele Conselho que, como ensinam os chineses, "vitória sem luta é triunfo sem glória".

As mulheres são 51,1% da população. Os negros, mais de 45%. No Judiciário, o percentual feminino cai bastante conforme a progressão na carreira. Quanto aos negros, como visto, a situação é pior. Sem dúvida, algo não está certo na foto em ambos os aspectos. Vige um "estado de coisas inconstitucional", a atentar, inclusive, contra o direito internacional, negando-se a Convenção de Belém do Pará de 1994, ratificada pelo Brasil em 1995, protetiva da mulher contra toda forma de violência, discriminação e padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação, e a Convenção da ONU de 21/12/1965 sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial.

Na advocacia, ditas revoluções, sim, tardaram, mas vêm acontecendo. Encontraram seu ápice em 2020, com a aprovação, por exemplo, de normas como a Resolução 5 do CFOAB durante a Presidência de Felipe Santa Cruz e vem avançando no triênio em curso, sob a liderança do Presidente Beto Simonetti, quando, também à guisa de ilustração, foi assegurada a paridade de gêneros na Diretoria da OAB Nacional e surgiu a campanha "Advocacia sem Assédio", ao passo que, em outra frente, os esforços se concentraram em uma democratização efetiva - de gênero e racial - nos processos de elaboração das listas sêxtuplas do quinto constitucional.

Em Pernambuco, cada advogado(a) inscrito(a) apto ao voto é livre para escolher até seis nomes como desejar, e não apenas três nomes de cada gênero e/ou raça. A lista sêxtupla nascerá a partir daí. Não antes. Aliás, como poderia entidade agir de outra maneira, se o que se busca em seu seio é justiça e justiça é equidade? Não se almeja dominação, se almeja equilíbrio. Não se propõe cabo de guerra, se propõe parceria. Até o dia em que não seja preciso política de cotas.

Disse, e disse bem, Bertha Luz: "Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça a metade da população". Já para Mandela, "o racismo precisa ser conscientemente combatido, e não discretamente tolerado". Se em sede de direitos humanos, conforme Roberto Lyra Filho, vivemos movimentos solares e terríveis eclipses alternando-se, urge que a oportunidade do agora seja a de um novo movimento solar e não a de um novo eclipse.

Que se sopre alma na letra da Lei das Leis, mulheres e homens de todas as raças, ombreados na construção de uma sociedade daí em diante próspera; só assim fará sentido o art. 5º, I, da Constituição.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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