O Judiciário e os dados. Precisamos de Ciência Política

A Ciência Política tem olhado majoritariamente para o sistema de justiça focado nos estudos dos tribunais e no comportamento dos juízes...

Publicado em 24/09/2024 às 0:00 | Atualizado em 26/09/2024 às 6:01

São frequentes as discussões sobre as decisões dos supremos tribunais, sobre o papel dos tribunais eleitorais, acerca da imparcialidade dos juízes, da influência dos tribunais na polarização e da percepção de justiça pelos cidadãos nas redes sociais estão corriqueiramente presentes na vida do brasileiro.

Também é crescente a preocupação do sistema de justiça com compilação de dados para a tomada de decisões. As instituições procuram sistematizar dados para embasar e melhorar sua performance. Ministérios Públicos, Tribunais de Justiça, Ordem dos Advogados avançam para oferecer à sociedade números sobre suas atuações e pensam sobre o uso de inteligência artificial para a tomada de decisão.

Em Direito, as pesquisas empíricas avançam nesse intuito.

É fantástico que o poder mais caro do nosso país, com um orçamento para 2025 que custará quase um bilhão de reais, preocupe-se com o fornecimento de evidências. Os dados do sistema de justiça são valiosos para a compreensão da sociedade, mas a abundância de dashboards é insuficiente para explicações sobre o processo decisório.

Precisamos de Ciência Política. Desenhos de pesquisa são ferramentas valiosas que permitem que a compilação de dados seja realizada com o propósito de fornecer explicações, e estas gerem resultados em políticas públicas, na compreensão do efeito da incidência de normas e nos limites do que o dado social efetivamente captura. Qual o dado que eu vou coletar? Por quê? Quais perguntas fazer e o que fazer com as respostas? Se eu não consigo compreender como os atores dentro do sistema de justiça se comportam, a tecnologia reproduzirá o que já temos. Mas, afinal, o que temos?

A Ciência Política tem olhado majoritariamente para o sistema de justiça focado nos estudos dos tribunais e no comportamento dos juízes, encarando-os como atores políticos. Entre as diversas abordagens existentes, as que enfatizam atitudes apontam que o guia das decisões judiciais, especialmente, das cortes supremas seria a preferência ideológica e os valores. Abordagens estratégicas, consideram que, de modo racional, os juízes decidem pensando em interesses diversos, decidem evitando opiniões que comprometam sua reputação ou que possam gerar controvérsias. Abordagens que defendem a racionalidade limitada dos juízes, apontam que os juízes se guiam pela intuição. Abordagens institucionalistas apontam que ao pertencer às instituições, os atores se adaptam aos contextos, o que gera novos valores e comportamentos.

Modelos que olham para o mercado de trabalho focam na satisfação pessoal, no lazer, nos salários e nas promoções como os incentivos para explicar o comportamento dos juízes. Os atores também são influenciados pelos seus antecedentes de raça, gênero, religião, pela opinião pública ou intensidade de efeito midiático. Um estudo norte-americano aponta que juízes, pais de meninas, decidem de modo mais favorável em questões ligadas a gênero se comparados a pais de meninos, por exemplo (GLYNN; SEN, 2015).

A lei, ainda que apta a estruturar o comportamento dos atores do Judiciário, está longe de ser a única explicação. Por isso, o diálogo entre essas explicações com os contextos locais precisa avançar. No Brasil e em Pernambuco.

Marcelle Amaral,  advogada. LLM em Análise Econômica do Direito (EMLE). Mestra em Ciência Política (UFPE). Doutoranda em Ciência Política (UFPE) e membro do grupo de pesquisa PRAETOR, foco em estudos do Judiciário. marcelle.amaral@ufpe.br

 

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