A Feira de Caruaru e o polo-têxtil do Agreste
Em Caruaru está a maior feira livre do mundo, com milhares de produtos à venda, numa comercialização capaz de causar admiração aos que chegam

Caruaru ganhou, de há muito, prestígio internacional, por quatro valores incomensuráveis, a saber: sua feira, seu São João, seu artesanato e, mais recentemente, por seu polo têxtil.
Em Caruaru, Princesa do Agreste, encontra-se, segundo a Unesco, o maior Centro de Artes Figurativas das Américas – o Alto do Moura – com mais de mil artesãos levando, além das fronteiras de Pernambuco e do Brasil, a arte figurativa, através, sobretudo, do barro, arte esta iniciada há quase um século pelo mestre Vitalino, que fez escola e ganhou nome/renome em nosso país e em diversos quadrantes do mundo.
O mestre Vitalino que, numa emissora de rádio local, quando perguntado de onde tirava a criatividade de sua arte, prontamente respondeu: “do juízo da minha cabeça.”
A CAPITAL DO FORRÓ
Caruaru, do maior São João do Brasil, é considerada a Capital do Forró. No decorrer de todo mês de junho, à noite ou à luz do sol, escutam-se os acordes da sanfona, dos triângulos e das zabumbas, além dos pífanos, que mereceram o título de Patrimônio Imaterial de Pernambuco, num reconhecimento do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC).
A FEIRA DE CARUARU
Em Caruaru está a maior feira livre do mundo, onde milhares de produtos são postos à venda, numa comercialização capaz de causar admiração aos que chegam, porque o espetáculo, considerando a diversificação dos produtos, é inimaginável ao olhar contemplativo de quem se deixe absorto nesse tipo de comércio, por seus aspectos inerentes àquela cidade.
Nos versos de Onildo Almeida, o grande Luiz “Lua” Gonzaga imortalizou a feira, cantando, em ritmo de baião, “A Feira de Caruaru Onildo Almeida,” cuja primeira estrofe já sintetiza a pluralidade dessa feira, desde então incorporada à economia e à cultura, dessa cidade líder, que é Caruaru. “A Feira de Caruaru / faz gosto a gente ver / de tudo que há no mundo / nela tem pra vender.”
É grande o movimento às vésperas do dia da feira. A chegada, à noite, esses barraqueiros geram frisson na arrumação dos seus tabuleiros, no desejo de pegar o melhor lugar, objetivando acordar no ponto, na companhia do sol, o Astro-Rei que testemunha esse despertar do sono e da esperança.
Vitalino, por exemplo, vinha de longe, do Sítio Campos, chegando entre 4 e 5 horas da madrugada, após andar aproximadamente sete quilômetros, sempre carregando na cabeça um pequeno tabuleiro, com suas peças de barro empacotadas. Isso normalmente aos sábados e, por vezes, às quartas-feiras.
Era a feira, portanto, um lugar certo para se encontrar o mestre que do barro fez nascer os seus famosos bonecos e bichos, dando-lhes forma e vida,
A Feira de Caruaru, além de sua importância à economia criativa, é também um espetáculo multicolorido da cultura diversificada de Pernambuco.
Com a mesma robustez, está a Feira da Sulanca, que se realiza às quintas e às sextas-feiras, incorporada que foi, desde o seu nascimento, à Feira de Caruaru.
A Feira da Sulanca, a de Santa Cruz e a de Toritama formaram um complexo têxtil de grandes benefícios sócio e culturais, e, sobretudo, um polo de considerável geratriz autossustentável, de empregos e rendas.
Nela estão os cânticos dos romeiros, as espécies circenses, dos mágicos, dos cantadores, muito dos quais vendendo os seus folhetos, alguns de louvação a Deus, a maioria contextualizando a sua sátira com a realidade nacional, normalmente em tom de crítica aos políticos, à violência social reinante, à seca, às agruras da vida. “Feira sem cantador, sem cordel, não é feira no Nordeste,” houve quem dissesse.
Ao final de cada feira, o sorriso dentre os que venderam bem e a tristeza na face dos que não foram bem-sucedidos. Num desses dias de pouca venda, Vitalino, meio cabreiro, já que costumava tirar o seu sustento dessas investidas a cada dia de feira, com um saco de estopa nas costas, saiu de calçada afora, e, de tão aperreado, exclamou alto e em bom som: “Cadê o presidente da República que num tá vendo Vitalino passando fome?”
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL BRASILEIRO
Assim, por seus valores econômicos, sociais e culturais, a Feira de Caruaru tem sido um repositório de arte e talento da gente interiorana, merecendo, por justiça e por todos os méritos, o reconhecimento, em 07/12/2006, à unanimidade, pelo Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, incentivo como à sua preservação e à continuidade desse caleidoscópio cultural, ali visto nos seus diversos ângulos, porque naquele espaço cultural multifacetado de nosso Estado encontram-se bem fincadas as raízes de nossa pernambucanidade.
Roberto Pereira foi secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.