Editorial

Marco Maciel deixa o legado da conciliação

Em diversos aspectos, a política perde um referencial de ética, de ponderação, de dedicação à causa pública como missão de vida

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JC

Publicado em 12/06/2021 às 10:56 | Atualizado em 12/06/2021 às 20:28
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Ele já estava fazendo muita falta no cenário político nacional há alguns anos, desde que deixou de integrar o Senado. Pouco depois, o Alzheimer impediu que atuasse mesmo nos bastidores, em contraponto ao caldo radical que dividia, e ainda divide, o País. A partida de Marco Maciel torna definitiva uma ausência dolorosa para os brasileiros. Em diversos aspectos, a política perde um referencial de ética, de ponderação, de dedicação à causa pública como missão de vida – bem cumprida pelos exemplos que semeou, pela história que ajudou a construir, pelo respeito que acumulou por toda a trajetória percorrida.

São muitos os atributos que tornaram Marco Maciel um líder de rara configuração. A começar pela simplicidade como estilo essencial, da dieta alimentar ao minimalismo na vida pessoal. O exercício do poder jamais o distraiu da prática do simples. Ou da polidez, algo tão em desuso na política. A discrição também foi seu registro, que ganhou notoriedade como vice-presidente da República por oito anos. Avesso a exibicionismos, era um dos poucos parlamentares que devolviam recursos de gabinete não utilizados no Congresso. Sem alarde, pois acreditava que isso era apenas sua obrigação.

Mas a maior característica do ex-governador de Pernambuco, que também foi deputado estadual, senador e ministro da Educação e da Casa Civil, foi a capacidade do diálogo. Um reconhecido “artífice do entendimento”, como diz o título de sua biografia escrita por Angelo Castelo Branco. Um potencial a serviço do consenso, ligado quase 24 horas por dia – como se sabe, dormia pouco. Decisivo para a transição da ditadura militar para a democracia, consumada pela aliança que tinha nele e em Tancredo Neves os principais personagens. Visto na relação formada com Dom Helder Câmara, em defesa do então Arcebispo de Olinda e Recife, ameaçado pelo regime militar. E quando trabalhou em prol da instalação de câmaras de arbitragem, a favor da mediação como elemento de agilização dos processos judiciais.

Liberal convicto, Marco Maciel pregava a observação da liberdade como direito fundamental do cidadão. Fiel às raízes partidárias do PFL, da época da Aliança Democrática, acreditava no papel institucional dos partidos para o aprimoramento da democracia, sempre criticando o troca-troca partidário e a multiplicação de legendas sem expressividade nacional. E apesar de uma apontada vocação para primeiro-ministro, foi o grande articulador do presidencialismo, durante o plebiscito que manteve o sistema de governo vigente no Brasil.

O contraste com a polarização dos ânimos e dos discursos, e com o desgaste da virtude como linha-mestra da atividade pública, é imenso quando se interpõe a imagem de Marco Maciel. Fica a saudade de um pernambucano apaixonado por sua terra, que se dedicou à política visando a causa coletiva, sem concessões ao populismo – cujo legado de conciliação deve ser valorizado para o resgate do equilíbrio nesses tempos conturbados.

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