Um rato de pêlo cinza deixa o esgoto e entra por uma fresta no tapume quebrado. A cena acontece à luz do dia na Rua Salgueiro, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, endereço de uma das construções mais icônicas da cidade, que agora amarga a solidão do abandono. Há um ano, em 13 de março de 2019, a Justiça determinava a desocupação do edifício Holiday. Mais de 3 mil pessoas deixaram os 476 apartamentos dispostos em forma de arco nos dias que seguiram. Doze meses depois, elas seguem sem perspectiva de voltar para casa.
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O motorista Caron Magalhães, 61, havia comprado um apartamento no Holiday apenas um ano antes da desocupação. Agora aluga uma casa na comunidade de Entra Apulso, também em Boa Viagem. “Eu não acreditei quando a gente teve que sair. Fui um dos últimos a deixar o apartamento. Até o último momento, eu tive esperança de que aquilo pudesse ser revertido”, lembra ele, que espera poder voltar para casa o mais rápido possível.
O desejo é compartilhado pelo vigilante Rogério de Souza. Dos 46 anos de vida, 40 foram dentro do Holiday. Desde que foi obrigado a deixar o prédio, ele não tem onde morar. Alguns dias dorme na casa dos pais, outros de amigos e muitas vezes na rua. “O que foi feito foi uma coisa horrível. Tive amigos que faleceram por depressão.”
A situação de Rogério é ainda mais dramática porque além da casa ele perdeu o emprego. Trabalhava no Holiday, como muitos dos moradores. Agora fica de vigia do prédio vazio, para que vândalos não roubem o que restou. “Já aconteceu em vários apartamentos, inclusive no meu. Levam janelas, vasos sanitários, caixa d’água. Está tudo acabado”, lamenta.
Símbolo da expansão imobiliária na área mais nobre da capital, o Holiday foi construído em 1956. O prédio de 17 andares apresentava problemas estruturais há décadas. Entre as mazelas mais evidentes estavam as gambiarras na rede elétrica, que causaram a interdição por risco de incêndio. Mas as necessidades vão além: o prédio precisa de intervenções estruturais para voltar a receber seus moradores.
Segundo o síndico José Rufino Bezerra, foram feitos avanços a passos lentos no último ano. Parcerias foram firmadas com escritórios de arquitetura e advocacia e um projeto foi elaborado junto à Universidade de Pernambuco (UPE) e ao Sindicato dos Engenheiros. O documento deve ser entregue até o começo de abril à Companhia Energética de Pernambuco (Celpe). “Depois de aprovado (o projeto), vamos orçar e trabalhar para ver como conseguiremos verba.” Com o trabalho sendo realizado de forma voluntária, Rufino não soube fixar prazos.
Em nota, a Celpe afirmou que mantém “constantes reuniões com a comissão que responde pela restauração estrutural do Edifício Holiday” e que “repassou à comissão todos os parâmetros que devem ser seguidos na elaboração do projeto.”
A inadimplência dos condôminos teria sido o fator que impossibilitou as reformas necessárias ao prédio. O Holiday acumulava em dívidas somente com a Celpe e a Compesa mais de R$ 600 mil. “O poder público sabia dos problemas desde 1996. Se tivessem agido antes, tudo custaria mais barato”, afirma o síndico.
Os moradores também cobram auxílio-moradia da prefeitura. Em nota, o município salientou que o prédio é privado. “A Lei só permite a concessão de auxílio para casos de incidentes ou quando a residência precisa ser demolida. A interdição do Holiday não significa que o imóvel está condenado. Após os reparos, poderão voltar”, diz o comunicado.
JUSTIÇA
Juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, Luiz Gomes da Rocha Neto concedeu a liminar que determinou a desocupação do Holiday. Ao JC, ele falou sobre o andamento do processo.
Jornal do Commercio – Qual a situação do processo do Holiday hoje?
Luiz Rocha – A única situação diferente da interdição para cá é um projeto, que não sei qualificar bem se é um projeto elétrico ou um esboço geral para a preparação de um projeto. Não vejo detalhamento. Existe uma ruptura dos próprios moradores, que ora vêm com um advogado, ora vêm em outro grupo. Não há encontro nem indicação de uma solução que possa recuperar a habitabilidade do prédio e levar essas famílias de volta para os seus lares. Temos um processo extenso, com 30 petições apresentadas somente pelo condomínio, mas não há apontamento de uma solução ou pelo menos indicação de que o condomínio vai chegar a uma solução de recuperação do prédio como eles desde o início desejam fazer.
JC – Muitos moradores se queixam que não receberam auxílio da prefeitura. Cabia nesse caso?Luiz Rocha – O que houve foi apoio de abrigamento na desocupação para quem não tivesse condições, mas poucas pessoas procuraram. Se trata de um prédio particular que responde por ele mesmo. As instituições públicas eventualmente assistiriam em caso de catástrofe, que não é o caso. A segurança, por exemplo, precisa ser feita pelo prédio. Não tem como a Justiça designar um carro de polícia para ficar tomando conta, porque a polícia é para tomar conta da sociedade. O que se vê nesse processo é que nem município nem Estado têm interesse no prédio. No início, se dizia que o prédio estava sendo interditado porque haveria interesse da iniciativa privada, mas não chegou nunca nenhuma empresa interessada. É uma situação complexa e eu não vejo nos autos solução de recuperar o lar das famílias a curto prazo.
JC – Moradores falam em omissão do poder público também.
Luiz Rocha – Eu acho que não é verdade. Eu vejo no processo notificações do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil de quase 20 anos. O condomínio foi omisso e fez de conta que o poder público não estava fazendo nada.
JC – Quais os próximos passos?
Luiz Rocha – Duas audiências estão marcadas. Uma para o dia 6 de abril, com as instituições públicas, e outra para 7 de maio, dessa vez uma audiência pública.
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